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egundo definição, hipocrisia é o ato de fingir ter
crenças, virtudes, ideias e sentimentos que a pessoa na verdade não possui. E ninguém melhor do que François duc de la
Rochefoucauld quando sintetizou esse conceito ao revelar de maneira mordaz a essência
do comportamento hipócrita: "A
hipocrisia é a homenagem que o vício presta à virtude". Ou seja, todo hipócrita finge emular
comportamentos corretos, virtuosos, socialmente aceitos. Sem a intenção de
fomentar ainda mais o pessimismo do moralista e aristocrata francês, pego
carona nessa premissa ao observar o comportamento humano em épocas
comemorativas como o Natal e a Páscoa, onde a intenção cristã deveria ser
exclusivamente a comemoração do nascimento e a ressurreição de Jesus Cristo.
Porém, o intento torna-se, na maioria das vezes, uma festa pagã, onde o que
vale mesmo é a ingestão absurda de bebidas alcoólicas, hábito cada vez mais
bizarro e ameaçador. A cerveja e a aguardente, em especial, fazem parte desse
contexto cultural, e geralmente são as mais incorporadas nessas reuniões sociais.
As festividades, permeadas por situações de embriaguez, evidenciam esse caos
social, onde o vício, mascarado de boas intenções, celebra a virtude daqueles
que se declaram cristãos.

Tudo é diversão... e mau
exemplo. Quando essa prática passou a ser considerada normal!? Idosos, adultos
e adolescentes expondo-se de maneira irresponsável à frente de crianças, como
se a bebedeira fosse uma coisa banal. O que os pais, no entanto, ignoram é que esse
tipo de comportamento leva aos filhos a concepção errônea de que para o
estabelecimento de laços sociais é necessário atravessar essa ponte perniciosa,
cujo pedágio cobrado é a ingestão farta de bebida alcoólica. Entretanto, eles se
esquecem que, uma vez cruzada essa ponte, retornar pode ser muito difícil.
Assim, a falsidade dos devotos conduz às gerações mais novas um entendimento
comportamental de que a bebedeira faz parte do pacote festivo da tradição
cristã. Contudo, não raras vezes, são esses mesmos pais que exigem dos filhos
um comportamento exemplar quando chega a hora de eles saírem para as “baladas”
noturnas. Mas essa reversão de valores está equivocada, já que o exemplo, nesse
caso, passa de pai para filho, e não o contrário. Por isso quando o jovem se
insere nesse mundo tortuoso das drogas fáceis, talvez ele esteja a protestar
pelos limites ausentes e pela falta dos bons exemplos de conduta, já que a
família, quase sempre, tem sua parcela de responsabilidade. Por isso não
adianta levar o filho à igreja, rezar, e, logo em seguida, se afogar em copos
de cerveja, uísque, vodka, cachaça... As coisas não funcionam assim. Ou você dá
o exemplo ou conte com a sorte. E é bom lembrar que não adianta chorar depois
do leite derramado.

Portanto esse modelo,
que propõe uma interação social regada ao consumo excessivo de bebida
alcoólica, nos leva a acreditar que o homem não sabe mais dialogar de “cara
limpa”, isto é, não basta uma conversa animada e civilizada, o intuito é
extrapolar, nem que isso provoque nos filhos repulsa, vergonha e/ou mau
exemplo. Mas de quem é a culpa? De toda a sociedade que costuma incentivar o
consumo de álcool, mesmo ciente de que esse também é uma droga psicotrópica. Ou
seja, o alcoolismo não difere psicologicamente da dependência de outros tipos
de drogas. Assim essa “carga negativa” é arremetida pela sociedade contra ela
mesma, quando permite e incentiva de forma indiscriminada o consumo
generalizado de bebidas que levam o indivíduo a uma situação vexatória e
irresponsável perante seus pares, amigos e familiares e principalmente diante dos
próprios filhos. E aqui cabe a famosa frase do escritor francês Gustave
Flaubert “A fraternidade é uma das mais
belas invenções da hipocrisia social”.
É nesse momento que a hipocrisia dita ordem quando
abandona a principal motivação do encontro festivo: tempo de troca de afetos e
de matar a saudade. E o que deveria ser um momento reflexivo, alegre e benéfico
a todos, não passa de um blefe, já que essa compulsão pela bebida tende muitas
vezes a enganar a consciência para que assim sejam expostos os problemas
emocionais: angústias e frustrações. Porém, é bom lembrar que a bebida só
acentua o problema e comumente costuma gerar ainda mais, e que pessoas
civilizadas devem agir, principalmente diante dos filhos, com o máximo de
responsabilidade e dignidade. Vale aqui citar a célebre frase “Quem se modera raramente se perde” do
filósofo chinês Confúcio.
Engana-se, entretanto, quem imagina que o intuito
desse texto é a propagação da eliminação de bebida alcoólica nas comemorações
festivas. Na verdade, a finalidade dessa matéria é chamar a atenção para o fato
preocupante do aumento excessivo de pessoas embriagadas, que sem nenhuma
responsabilidade, todos os anos, são capazes de colocar em risco, além da
própria vida, a vida daqueles que juram amar, quando sem nenhuma consciência de
sua ebriedade decidem dirigir. Os números
incontestáveis demonstram que é justamente nessa época do ano que o número de
acidentes e a violência no trânsito aumenta consideravelmente, em relação a
outros períodos do ano, consequências do alto consumo de bebidas alcoólicas. O
que seria motivo para celebração da vida, rotineiramente, transforma-se em
tragédia. Aquele que precisa beber constantemente valendo-se de variadas
desculpas deve, sim, procurar ajuda médica e psicológica, urgentemente. É
importante ressaltar que se o objetivo das reuniões sociais é difundir a
tradição e a fé cristã, e acreditando que Ele ressuscitou, fica aqui a pergunta
para quem jura seguir os mandamentos divinos: acaso beber em demasia não causa
desonra ao pai e a mãe, ainda que estes já não estejam mais neste plano físico?
O que será que o aniversariante, Jesus, pensa ao “observar” que a maioria dos
homens, pelos quais Ele ofereceu a própria vida, se embriaga, diante dos
próprios filhos, em sua homenagem e memória?
Lembre-se, de nada adianta procurar a frente
das coisas olhando de lado, POR ISSO BEBA COM MODERAÇÃO.
FELIZ ANO NOVO!