sexta-feira, 27 de junho de 2025

De lágrimas a alagamentos: Canoas entre a nova ameaça de enchente e a velha negligência política

 


    Já faz um longo tempo que venho adiando esta publicação — mais precisamente, um ano. Não por falta de assunto, mas por falta de coragem. Ainda é muito doloroso falar sobre a enchente da qual cerca de 60% dos moradores da cidade de Canoas — estatística da qual faço parte — foram vítimas.

    E quando eu acreditava que a dor de perder tudo havia sido levada pelas águas lamacentas do passado recente, fui novamente surpreendida pela possibilidade de sermos, mais uma vez, atingidos pela força da correnteza dos rios que descem do centro do estado para desaguar nos já saturados Guaíba, Rio dos Sinos e Gravataí. A situação pode se agravar ainda mais com a grande quantidade de chuva prevista para os próximos dois dias.

  Todo esse volume certamente afetará os níveis de água e pode causar novas inundações, especialmente na parte oeste do município, cuja cota já está acima do normal. Mas, para não continuar “chovendo no molhado”, vou me ater ao lado psicológico dos habitantes — pessoas desanimadas, inseguras e, em sua maioria, completamente descrentes nos políticos que, de forma irresponsável, pouco ou nada fizeram para evitar que outra catástrofe volte a se repetir.

   Mal conseguimos nos recuperar do trauma de uma tragédia jamais imaginada, e agora estamos diante de outro desafio: em quem acreditar?

  A Defesa Civil emite alertas; a prefeitura afirma que devemos ficar atentos, mas garante que não há risco de algo tão catastrófico quanto o ocorrido no ano passado. Enquanto isso, vemos um embate entre os alarmistas que espalham pânico e os otimistas que tentam suavizar a situação com frases de efeito.

  No meio dessa queda de braço estamos nós, que já começamos a planejar uma possível fuga. Mas fugir... para onde? Montar uma logística de evacuação quando se tem cães, gatos, doentes, crianças e idosos é um verdadeiro dilema. Abrigos? E onde deixar os móveis e eletrodomésticos conquistados com tanto esforço ao longo de mais um ano de luta?

  Poucos imaginam o desespero dessa parcela da população, que representa aproximadamente 60% dos 350 mil habitantes, que vivem nos bairros Rio Branco, Fátima, Mato Grande, Harmonia, Mathias Velho, São Luiz e Industrial. Nessas regiões, arroios e rios cruzam os limites urbanos, contando com um sistema de diques e bombas de drenagem — que, até poucos anos atrás, parecia suficiente.

  Contudo, a especulação imobiliária desenfreada e a ganância de políticos e empresários resultaram no fechamento de nascentes e no desmatamento. Já uma parte da população também tem sua parcela de culpa, ao descartar de modo irresponsável o lixo doméstico e da construção civil em locais inapropriados, o que leva ao entupimento das bocas de lobo. Tudo isso contribui para a situação miserável e angustiante que enfrentamos hoje.

  A chuva, que um dia embalava nossos sonhos, agora provoca insônia e pânico. Mesmo aqueles que moram longe dos rios sentem a insegurança corroer qualquer desejo de continuar recomeçando. E mesmo que eu não volte a perder tudo, não sinto alívio. Porque saber que o outro está passando pelo que eu já passei só me traz apreensão e tristeza.

  No fim das contas, só podemos contar com quem está na mesma situação — na mesma Canoas furada, remando contra a correnteza da negligência e da falta de responsabilidade com o meio ambiente.
                        E assim seguimos... enxugando gelo.

terça-feira, 24 de junho de 2025

Grito Sem Voz: A literatura como escudo para quem não pode se defender

    
    Foi com revolta e tristeza que, em um intervalo inferior a um mês, li algumas notícias envolvendo crianças e adolescentes vítimas de violência sexual na cidade onde moro, que conta com uma população de cerca de 350 mil habitantes.

   Para quem me conhece, não é novidade que venho alertando sobre o perigo de ignorarmos o grito silencioso dos inocentes.
Vivemos tempos em que fake news são rapidamente validadas por quem só acredita no que lhe convém — enquanto verdades dolorosas continuam sendo “varridas” para debaixo do tapete. Até quando vamos permitir que essa covardia siga destruindo a vida de quem nem sempre consegue se defender?

   Como autora de dois livros que tratam, com responsabilidade e sensibilidade, de um tema tão doloroso quanto necessário, faço uma pergunta urgente: por que ainda não houve uma mobilização consistente para oferecer ao público infantojuvenil a principal defesa contra abusadores? O conhecimento.

   Diante disso, afirmo, convicta, que falar sobre esse assunto em casa e na escola é necessário e urgente. Precisamos criar espaços de diálogo que permitam que crianças e adolescentes se expressem com liberdade e segurança.

   Por isso, tenho me dedicado à criação de releituras contemporâneas inspiradas nos contos dos Irmãos Grimm, com o objetivo de me aproximar do público jovem — como forma de levar luz à escuridão que permeia a falta de informação, gerada pela ignorância de quem teme a verdade.

   Assim nasceu Chapeuzinho, Lobos Usam Internet, publicado pela Editora Sulina. Ainda este ano, lançarei Disque 100 – João e Maria: Muito além do conto de fadas, também pela Sulina, com previsão de lançamento oficial na Feira do Livro de Porto Alegre. Ambos os livros têm como intuito gerar debate e trazer um sopro de conhecimento a quem precisa.

  Com linguagem acessível e poética, a nova obra retrata uma realidade dura — mas, infelizmente, comum — que precisa ser enfrentada com coragem e informação.

Pais, professores, tios, avós, vizinhos, amigos: ajudem a romper o silêncio. Leiam. Conversem. Ensinem. Somente o conhecimento pode proteger os mais vulneráveis.

sexta-feira, 20 de junho de 2025

A crise climática não perdoa governos que desmontam o meio ambiente...

       Agência Brasil/Gilvan Rocha
 
Vista da cidade inundada de Porto Alegre, Rio Grande do Sul, Brasil

Texto: Amanda Werlang

       As enchentes históricas que atingiram o Rio Grande do Sul — com cenas de cidades submersas, mortes e milhares de desabrigados — não são apenas obra da natureza, mas resultado direto de decisões políticas que ignoraram o meio ambiente e a ciência.

    Em Porto Alegre, o prefeito Sebastião Melo vem conduzindo uma gestão marcada pela entrega de bens públicos ao setor privado e pelo desmonte das estruturas ambientais e urbanísticas da cidade. Um exemplo grave disso é a tentativa de privatização do DMAE (Departamento Municipal de Água e Esgotos) — órgão que historicamente cuida da água e do esgoto da capital com caráter público e técnico.

    Sob o pretexto de “eficiência”, Melo quer entregar esse serviço essencial à lógica do lucro. Mas como confiar no interesse privado para cuidar de enchentes, saneamento e abastecimento, quando os objetivos são financeiros? O DMAE deveria ser fortalecido, não enfraquecido, especialmente em tempos de crise climática, onde a gestão hídrica precisa ser estratégica, técnica e voltada ao bem público.

   Enquanto isso, o governador Eduardo Leite segue a mesma linha: desmontou a Fundação Zoobotânica, enfraqueceu a FEPAM, flexibilizou o Código Ambiental e acelerou licenciamentos que favorecem grandes empreendimentos e atividades altamente impactantes, como mineração e expansão urbana sobre áreas frágeis.

    A soma dessas escolhas tem nome: colapso ambiental urbano.

   E a conta está vindo em forma de enchentes cada vez mais frequentes, intensas e destrutivas.

   Enquanto a UFRGS e outras instituições científicas alertam há anos sobre a necessidade de preservar áreas de alagamento, reforçar diques, manter vegetação nativa e repensar a ocupação urbana, o poder público segue apostando em ações emergenciais mal planejadas — sem foco real em prevenção.

   O que adianta milhões em verbas federais para “reconstrução” se continuam reconstruindo sobre o erro?

  O que adianta abrir canal de doações e helicópteros para salvar famílias, se ao mesmo tempo se aprova a construção de condomínios de luxo em áreas de várzea?

  Sem investimento estruturado em prevenção, sem fortalecer órgãos públicos como o DMAE, e sem ouvir a ciência, o Rio Grande do Sul continuará mergulhado — literalmente — em tragédias anunciadas.

   As mudanças climáticas estão apenas começando a mostrar seu impacto. Ou os governos mudam sua lógica de curto prazo e lucro imediato, ou a realidade será ainda mais dura.

  A crise climática não perdoa improvisos. E ela já está batendo à porta.

sexta-feira, 6 de junho de 2025

Escrever histórias é um ato de resistência

 

          Esta semana vivi uma daquelas situações que nos pegam desprevenidos e, sem aviso, nos empurram para dentro de reflexões profundas. O filho de uma conhecida recebeu da professora a missão de entrevistar uma “influencer”. E, para surpresa geral da nação ― inclusive a minha ―, ele me escolheu. Justo eu, que tenho verdadeira aversão a esse rótulo que virou febre nas redes sociais e que nem sequer tenho um número expressivo de seguidores. Expliquei, com a maior calma do mundo, que não tenho esse poder de influenciar ninguém… e nem quero. Minha influência acontece de forma silenciosa, por meio da escrita, que busca informar, despertar, provocar. Mas o jovem insistiu. Quis saber como me tornei escritora, o que era preciso fazer para publicar livros. E foi ali, enquanto respondia às perguntas do garoto, aprendiz de repórter, que me dei conta: o sonho de escrever já morava em mim desde tenra idade. Eu é que o havia empurrado para longe, como quem lança algo ao espaço, porque parecia muito distante da minha realidade ― e, de fato, era.

    Hoje, mesmo com um livro publicado e outro a caminho pela mesma editora, ainda luto contra a síndrome da impostora. Sinto-me orbitando astros literários muito mais relevantes, consolidados e experientes.

    E, sinceramente, ser influencer nunca esteve nos meus planos, talvez porque a superficialidade de certos conteúdos me incomode. Ainda que haja criadores comprometidos com o saber, são raros os que realmente levam informação transformadora ao público.

      Durante a entrevista, percebi também que muita gente ainda tem uma visão utópica e poética — e, por vezes, elitista — do que é ser escritora. Como se fosse um título revestido pelo verniz do glamour, quase um dom místico. Escrever, na verdade, é trabalho. Exige entrega, observação aguçada, sensibilidade crítica, disciplina, vocabulário… e, acima de tudo, a coragem de narrar algo com propósito. É isso que tento imprimir nas minhas obras: objetividade e comprometimento com o leitor.

    E, sejamos sinceros: vivemos tempos sombrios. Época em que os livros viraram objetos decorativos — ou, pior ainda, relíquias abandonadas. Ainda assim, tomados por uma obstinação que beira a teimosia, alguns de nós seguem escrevendo. Como se cumpríssemos uma missão silenciosa, quase cármica. Movidos por uma força inexplicável, gestamos histórias que insistem em se formar e, quando finalmente nascem, gritam por atenção ― como alerta a alguém, em algum lugar.   

      Não há holofotes sobre aquele que escreve. A luz que nos guia vem de dentro e, às vezes, se apaga pela frustração de não conseguir atingir o público-alvo. O autor é o bem e o mal, o anjo e o demônio, a morte e o renascimento. Mergulhar nesse ciclo de Samsara ficcional tem seus efeitos colaterais: insônia, angústia, apego, revolta, sensação de impotência, êxtase criativo… até que a justiça tão desejada — seja no enredo ou na vida — finalmente se faça presente. Por esse percurso sinuoso, caminham de mãos dadas com o escritor a autocobrança, a rejeição e um amor persistente pelo ofício.

     E quando — e se — uma editora de prestígio aposta no nosso trabalho, sentimos, por instantes, uma euforia quase secreta. Um breve estado de graça que poucos compreendem e muitos subestimam. Dói perceber que, enquanto isso, as prateleiras se enchem de poeira — não por falta de tempo, mas por descaso. Vivemos numa sociedade que despreza o conhecimento e celebra o vazio, que troca livros por feeds, pensamento por performance, conteúdo por curtidas.

        E aí, tentando resumir tudo isso para o meu jovem entrevistador, eu disse: ser escritora hoje talvez só não seja mais difícil do que ser professora, pois ambas tecem alicerces invisíveis numa sociedade que celebra o vazio, valoriza o que reluz instantaneamente e escolhe o ruído em vez da reflexão.

      Mas seguimos. Porque, de alguma forma, contar histórias ainda é o modo mais bonito que encontrei de resistir — e, talvez, de existir, fazendo valer a minha luta por justiça social.

quarta-feira, 23 de novembro de 2016

Livre-arbítrio é sua responsabilidade individual

Adepta do livre-arbítrio acredito que, enquanto adultos, somos responsáveis por nossas escolhas e que ninguém deveria interferir nesse processo particular que conduz ao autoconhecimento, quando obviamente não fere o decoro nem a moral humana. "E quanto maior o conhecimento, maior o livre-arbítrio" Carlos Bernardo González Pecotche. Entretanto, cada vez mais, percebo com desgosto e irritação essa mania que muitas pessoas têm de tentar impor seus códigos de conduta ao outro, como se isso fosse a supremacia da verdade absoluta. Faço essa afirmação porque recentemente minha filha adotou o vegetarianismo como filosofia de vida, quando constatou que essa dieta tem um impacto positivo sobre o meio ambiente e, por sua vez, há também a questão dos animais em si, uma postura ética de não aprovar essa clara posição de predador a qual nos encontramos na cadeia alimentar. E ao observar como a indústria da carne trata os animais para o abate na intenção de servir ao consumo humano, percebe-se claramente que algo está muito errado e que para nossa satisfação pessoal à mesa são imputados a essas pobres criaturas um verdadeiro inferno na terra, e isso o próprio leitor pode comprovar numa busca rápida pela internet. As informações estão ao alcance de todos, só não tem conhecimento quem não se interessa pelo assunto.
      Já os vegetarianos e os veganos sentem essa empatia maior em relação aos animais do que o restante da população, e não querem se envolver com tanta crueldade. E quem pode afirmar que isso é um problema? Como pode isso provocar tantos comentários maldosos? É como se as pessoas, num acesso de culpa e vergonha, tentassem impedir o outro de alcançar essa grandeza espiritual, porque eu sinceramente admiro essa postura, quando o objetivo é obviamente em prol de algo que traga benefícios ao meio ambiente e aos próprios animais. Diante dessa questão compreendi que existem outras formas de alimentação e que a minha filha, perante aquilo que acredita, optou por algo que a deixa em paz com a sua consciência. E na verdade é isso o que importa: a paz de espírito. E é aqui que esse texto começa. Sua decisão, assim como a de muitas outras pessoas, sempre gera críticas e desconfianças. Eis a pergunta que não quer calar: por que a escolha de uns é tão massacrada por outros? Essa intenção de querer moldar o outro de acordo com a sua própria maneira e conveniência é a coisa mais arbitrária e ridícula que existe. É como tentar impedir que uma lagarta passe pelo processo natural de metamorfose. Eu defendo a teoria de que o mundo está em transformação permanente, e que isso é a única coisa que faz sentido num dia após o outro. É essa mudança que nos permitirá alcançar uma evolução física e espiritual. Porém, devido a essas pessoas que atravancam o desenvolvimento mental dos demais - essa ação natural evolutiva -, ainda caminhamos nas trevas sorvendo águas de fontes desprovidas de oxigênio. A fomentação dessa ignorância não permite que muitos consigam romper essa dependência irritante das normas arcaicas ditadas durante séculos, contribuindo para o fato de que ser aceito é mais importante do que ter opinião própria. E assim, por medo de destoar da manada, velhos conceitos fazem com que o consumo de água parada se torne algo natural. "O homem não pode pretender alcançar certas verdades, enquanto conserva dentro de si certas mentiras." Carlos Bernardo González Pecotche. 
        Porém, sob o fio tênue da linha dessa premissa percebe-se que o vegetarianismo não é uma moda, mas a construção paulatina de uma identidade social e ambiental, que tem como meta estabelecer novos hábitos alimentares e fomentar o movimento abolicionista que visa libertar os animais dessa servidão ao ser humano. Pessoas que silenciosamente estão fazendo sua própria revolução por se negarem a compactuar com esse sistema de exploração animal. E talvez seja exatamente isso que venha provocando tantos protestos, gracejos, irritações e até mesmo temores por parte dos ditos carnívoros. Já que muitos não sabem lidar com essa nova “ordem” que surge diariamente, sem muito alarde, mas que se alastra despretensiosamente como rastilho de pólvora. Assim observo com preocupação que ao adotar essa filosofia de vida, os vegetarianos passam a ser menosprezados passando à condição de personae non gratae” entre aqueles que insistem em propagar uma falsa saúde atribuída ao consumo de carne.  Mas esse movimento pela compaixão animal não deveria ser motivo para causar incômodo a ninguém, já que é exclusivamente particular, e cabe a cada um aderir ou não, de acordo sua própria filosofia de vida. Eis aqui o livre-arbítrio. Mas quando se trata de abordar esse assunto, as pessoas rapidamente se colocam na defensiva, por serem consumidoras de carne, experimentando uma fraqueza sem igual, que é imaginada como isolamento social e/ou moral. Mas o intuito desse texto não é sentenciar ou qualificar alguém por suas escolhas. Também não estou afirmando que o fato de ser vegetariano torne uma pessoa com envergadura moral superior às demais. Nem tampouco acredito que um carnívoro vá arder no inferno, tendo ele boa índole, sendo alguém socialmente ativo e participativo dentro dos princípios humanos. 
     A intenção desse texto, quero aqui registrar, é chamar à reflexão, quando aceitar o outro por suas escolhas torna-se tão difícil. E aqui eu abordei o vegetarianismo, mas poderia ser outro tema qualquer, homossexualidade, religião... Sem esse livre-arbítrio o homem atrofia e morre, ainda que esteja vivo. Ao longo dos tempos diversos pensadores e filósofos dissertaram sobre a importância da liberdade, como Sartre, Descartes, Kant, Marx e outros. Certamente eles compreendiam que precisamos dessa espontaneidade e autonomia para conduzir nossas vidas de forma plena, só assim a vida faz sentido, quando nos proporciona de modo singular e natural a fazer nossas escolhas. Por esse motivo “Não tenha medo de pensar diferente dos outros, tenha medo de pensar igual e descobrir que todos estão errados!”, Eça de Queiroz.



      

quarta-feira, 15 de junho de 2016

Plagiadores da loucura

    Durante algum tempo, acreditei que os loucos se refugiavam apenas em lugares específicos, compatíveis com suas condições mentais. Imbuída do preconceito que habita o senso comum de todos aqueles que se consideram mentalmente sadios, demorei a perceber que cada indivíduo, de maneira metafórica, carrega sua própria cota de loucura.
O meio em que estamos inseridos contribui, de forma circunstancial, para que, aos poucos, nos tornemos irracionais. Talvez isso seja necessário até para a convivência em sociedade. Afinal, a maior causa das nossas decepções enquanto seres humanos está na nossa própria espécie. Nunca estivemos tão expostos à loucura como agora, na era do excesso de informação.
Com o advento da internet, as notícias pulsam em compasso acelerado, fazendo com que cada um se posicione com certo extremismo entre o certo e o errado. Entramos em um desespero coletivo de "gritar" a própria razão, mesmo que a razão já nos desconheça. Ignora-se, então, que entre os dois polos pode haver um meio-termo: o razoável.
Essa terra fértil faz brotar vozes enlouquecidas que saem à caça de seus supostos algozes. E, nesse caminho sinuoso, quem não estiver a favor, certamente estará contra — para o bem ou para o mal. Como já disse o filósofo inglês Thomas Hobbes, “O homem é o lobo do homem”, convicto de que o estado natural do ser humano é o conflito: a guerra.  Séculos se passaram, mas nada mudou.

Na essência, continuamos os mesmos bárbaros, prontos a confrontar o outro por qualquer bobagem. Isso se reflete nos ambientes onde somos obrigados a conviver: local de trabalho, escolas, universidades, trânsito, hospitais, o próprio ambiente familiar — ou mesmo os espaços virtuais.
A pressão sobre a singularidade de cada um pode levar à busca por refúgio ou a descarregar essa energia agressivamente no outro. Essa condição de frustração acelera o processo que molda — ou plagia — comportamentos perigosos. Tudo se transforma em ódio. Muitas vezes, um ódio mortal.
A agressão é sempre covarde. E, nesse momento, o plágio da insanidade se dá em forma de cusparada.
Sim, cusparada.
   Pessoas consideradas normais passam a agir de forma insana quando perdem a capacidade de dialogar e lançam saliva no oponente. Nesta semana, uma discussão entre duas adolescentes teve como "atrativo" principal a troca de salivadas. O motivo? Política. Não se tratava de um desentendimento amoroso — o que talvez fosse o esperado para duas jovens se digladiando na rua —, mas da sanha odiosa com que defendiam suas ideias. A mesma sanha que, em outros tempos, levava homens a empunhar pistolas para duelar.
    Nada muito racional.
    Será que entramos na era do duelo salivar?
   Para quem chegou até aqui, talvez compartilhe da mesma impressão que eu: estamos perdendo a razão. Divergências de opinião que terminam em cusparadas não remetem à era da comunicação, mas a um retrocesso civilizacional. Parece uma volta à Idade Média, quando tudo se resolvia a ferro e fogo.

     E o mais alarmante é que essa deterioração do diálogo tem como vetor pessoas ditas racionais, que orbitam um mundo sob uma aparente civilidade. Eis o drama da loucura cotidiana: nunca sabemos de que lado ela está ou até que ponto podemos ser alcançados por ela.

   Já consigo imaginar, daqui a alguns séculos — isso se até lá não tivermos destruído o planeta com nossa insanidade —, alguém comentando em um documentário antigo que, no início do século XXI, as pessoas duelavam lançando salivas umas nas outras. Algo "moderno", diriam, para uma época em que até políticos profanavam com cusparadas o solo da "casa" que juraram honrar.
Diante disso, só posso concluir:  Benditos sejam aqueles que, em meio à insanidade, conseguem manter uma loucura lúcida e benevolente — sem se deixar contaminar pelo ritual cego que empurra a lógica para o abismo, onde apenas os ridículos se sentem confortáveis.

sábado, 7 de maio de 2016

Mães, flores e jardins

   

     

Ser Mãe: Jardim de Amor, Espinhos e Descobertas

Por experiência própria, este deveria ser o tema mais fácil de abordar — mas, ao contrário do que possa parecer, é muito difícil descrever a peculiar sensação de ser mãe.

     Um dos aspectos mais sagrados da natureza — se assim posso dizer — sempre foi a capacidade de gerar filhos, em especial na condição humana. Sempre acreditei que, para alcançar êxito nessa função, bastaria passar adiante o que aprendi com a minha mãe, uma grande amiga e parceira em todos os momentos da minha vida. Uma mulher à frente do seu tempo, que, com muita sabedoria, soube deixar sua marca gravada nesta que aqui escreve.

     Seguindo seus passos e ensinamentos, preparei-me apenas para doutrinar. Mal sabia eu que aprenderia muito mais com um filho do que em qualquer banco de faculdade.

    Desde o início, ainda durante a gravidez, aprendi a valorizar ainda mais a mãe que tive. Para falar a verdade, minha gestação foi planejada mais para dar a ela a alegria de ser avó do que por um desejo egoísta — embora eu quisesse muito viver essa experiência. Contudo, foi somente ao ver minha filha nascer que compreendi: a maternidade, sem amor, é um ato puramente mecânico.

    Ser mãe não é apenas parir. É deixar eclodir a capacidade de amar. E o objetivo desse amor, creio, é fazer girar a roda da vida em todo o universo, mantendo-o em equilíbrio.

    Assim, ao fazer uma analogia com um lindo jardim, podemos dizer que, em toda a beleza que permeia a natureza materna humana, as mães são jardineiras, e os filhos representam flores. Flores que, por vezes, ferem com seus espinhos. Por serem diferentes entre si, exigem cuidados específicos nesse território plural. Mas, como todas as flores, precisam de calor e de regas constantes — e é aí que entram o amor e a intuição como vetores essenciais para o crescimento e desenvolvimento de cada uma.

   Entretanto, toda jardineira deve planejar e manter o solo fértil, bem cuidado, evitando a proliferação de ervas daninhas que possam afetar a qualidade do que foi plantado. Com isso, percebemos que nem tudo são flores. O trabalho é árduo e contínuo, e não há garantias de um retorno colorido e harmonioso. Ainda assim, a maioria das jardineiras segue sua missão com dedicação e esperança, desejando ter contribuído, com eficácia, para o florescimento da sua prole.

   E assim, sucessivamente, entre alegrias e decepções, aprendemos mais do que ensinamos. Compreendi que uma mãe jamais deve trilhar um único caminho. Por vezes, é necessário retroceder. Por isso, é vital que ela tenha fôlego para explorar novas trilhas. Caso contrário, corre o risco de pisotear os próprios passos e repetir os mesmos erros.

   O desejo, o apego, a posse egoísta deformam, aos poucos, a personalidade dos filhos, deixando marcas, traumas e psicoses — cicatrizes que, muitas vezes, serão carregadas por toda a vida. Como disse o escritor Coelho Neto:
“É na educação dos filhos que se revelam as virtudes dos pais.”

   É preciso entender, também, que uma mãe não é uma mulher à prova de erros. Reconhecer nossa vulnerabilidade pode ser mais útil na criação dos filhos do que tentar esconder, inutilmente, as falhas.

   Ao longo do tempo, fui tateando à procura de um interruptor — algo que me permitisse enxergar além do olhar materno. Sempre acreditei que, mais do que criar um filho, temos o compromisso de deixar ao mundo um ser humano evoluído espiritual e intelectualmente. Alguém capaz de discernir entre o certo e o errado. Essa, penso eu, é nossa missão — desde o instante em que descobrimos uma nova vida crescendo dentro de nós, quando até o que levamos à mesa precisa ser pensado com responsabilidade.

   Em suma, não basta dar a um filho apenas amor incondicional. É preciso oferecer-lhe uma educação alicerçada em valores essenciais: respeito, honestidade, humildade, generosidade, dignidade... Atributos que fazem parte da essência humana e que garantem que uma pessoa seja amada, respeitada e admirada — o que é fundamental para a sua felicidade. E, no fim das contas, não é isso que toda mãe deseja? Que seu filho seja feliz?

   Por tudo isso, deixo aqui o meu agradecimento especial à minha mãe, que, acredito, está num lugar cheio de luz. E aproveito para desejar um FELIZ DIA DAS MÃES a todas as mulheres que, diariamente, não medem esforços para deixar ao mundo um ser humano melhor.




quinta-feira, 21 de abril de 2016

Rede de amigos

     Considerado o filósofo da amizade, o grego Epicuro de Samos, afirmou em suas Sentenças Principais que "De todas as coisas que a sabedoria nos oferece para a felicidade da vida, a maior é a amizade". E tanto poetas quanto filósofos destacam a importância de cultivarmos os amigos. Por isso preciso dar o braço a torcer e parabenizar o fundador do facebook,  Mark Zuckerberg, pela sua criação. Fato que me proporcionou o entendimento de que a maioria das nossas amizades está ancorada no rasante do rio que permeia nossa vida. Ou seja, nosso conhecimento em relação aos “amigos”, sejam eles virtuais ou reais, é muito superficial. Entretanto, com o advento da internet e, consequentemente do “face”, foi possível conhecê-los um pouco melhor, através daquilo que publicam, compartilham ou curtem. E vem daí o paradoxo ao qual me refiro, essa amizade que muitas vezes cultivamos por anos, décadas, talvez, pode ter sido um equívoco, baseada na ilusão que tínhamos valores semelhantes. Contudo, quando percebemos a ambiguidade no modo de raciocinar do outro e de suas escolhas entram as emblemáticas opções do facebook, nesse turbilhão de intenções: deixar de segui-lo, bloqueá-lo ou excluí-lo, ou, ainda, ignorá-lo nessa simbólica rede de relacionamentos, quase sempre supérfluos. Mas então qual o objetivo de manter alguém tão distinto na sua galeria de “amigos”? Mostrar o quanto é sociável? Talvez para muitas pessoas que não sejam adeptas à rede de relacionamento, isso até seja possível, pois não há um envolvimento diário ou semanal. Até aí tudo bem. Mas esse não é o meu caso. Anseio por notícias, quase que diárias, sobre determinados assuntos: mundo animal, ufologia, política (agora nem tanto), ecologia, novidades em utilidades domésticas, jardinagem, arquitetura e decoração, filosofia... e quase tudo encontro nas páginas que sigo através do facebook, o que facilita minha atualização nesses assuntos. Porém, não há como ficar alheia a certas postagens, que vem de encontro àquilo que faz parte da minha filosofia de vida e das coisas pelas quais brigaria por acreditar profundamente. O problema está justamente aí, essa teia de singularidades e contradições torna inviáveis alguns relacionamentos, mesmo os ditos virtuais, pelo simples fato de que uma amizade precisa de certos elementos para fazer sentido como: gostos semelhantes, senso de humor em comum, espontaneidade, confiança, admiração e respeito mútuo. É evidente que muitas vezes descobrimos pessoas encantadoras e muito mais parecidas conosco do que podíamos sequer imaginar, e aquele amigo casual passa a ser uma grata surpresa.
       Entretanto, a decepção pode surgir de modo recíproco, já que o outro tem suas  peculiaridades tanto quanto você: sendo ele ateu, agnóstico, religioso fervoroso, ativista político, e ao perceber que você não compactua com suas ideias ou ideais, tem a mesma sensação que a sua: a amizade foi um ledo engano, e desatar esse relacionamento de fachada é o melhor a fazer. Não estou aqui dizendo que devemos romper com aqueles que pensam diferentemente de nós, mas tentando entender o porquê de algumas pessoas incluírem estranhos aos seus “contatos” para logo após passar a travar com elas verdadeiras batalhas on-line: carregadas de ofensas, indiretas e mágoas. Isso não é um contrassenso? A prática da amizade não deveria ser um componente no processo que possibilita lidarmos qualitativamente com os percalços diários, já que a vida tem suas penalidades?
     É aqui que a “porca torce o rabo” como diria minha avó, é inequívoco o fato de que precisamos conviver com opiniões divergentes, mas quando essas extrapolam e distorcem seus conceitos que foram devidamente alicerçados sob sua filosofia de vida, nada mais há a fazer. O ideal é que cada um siga seu caminho sem a máxima de que quanto mais amigos melhor. Você pode gostar de futebol, enquanto eu não. Eu sou uma “devoradora” de tudo que aborde o tema ufologia, filosofia, antropologia. No entanto, entendo que ninguém precisa ser adepto daquilo que instiga minha curiosidade, basta respeitá-la. E respeito mútuo é a chave que faz essa ignição funcionar. Caso contrário é provável que a amizade desande. Mas a questão é justamente essa: o degringolar é muito fácil de ocorrer quando se percebe que o amigo virtual não é quem você pensava ser: vocês não combinam sobre aspecto nenhum. São como a água e o vinho, o joio e o trigo. Ele não gosta de animais e/ou de gente; faz piadas homofóbicas; demonstra ser racista; egocêntrico, destila veneno em cada postagem; ostenta ser o que não é: colocando-se num pedestal de superioridade; e ao final de tudo, então, você percebe que não foi a máscara dele que caiu, mas o seu modo de percebê-lo que se alterou. E isso me faz lembrar uma frase que seguidamente circula pelo face: “Não foi outro que mudou, foi você que criou expectativas demais em cima dele”. O que talvez você não esteja entendendo é onde eu estou querendo chegar. Pois bem, eu tenho refletido muito sobre essa questão intrínseca, pós facebook, que leva muitas pessoas a buscar de forma doentia uma socialização forçada: basta um esbarrão com alguém, em qualquer lugar, para que instantaneamente receba uma solicitação de amizade dessa criatura, cujo nome você ainda nem assimilou direito. Isso não faz sentido! Você querer resgatar certas pessoas, pelo passado incomum que tiveram, é até compreensível, mas transgredir a ordem natural das coisas, através de um pedido, sem sentido, de amizade, é algo impensável, até mesmo invasivo.
     Em contrapartida tenho observado que os relacionamentos reais, entre amigos, estão mais voláteis e desbotados. Assim o afeto vai sendo conservado em barril de carvalho, num ambiente fechado e sem ventilação, possibilitando sua evaporação. E as redes sociais, facebook, Instagram, Snapchat, WhatsApp, Twitter e similares, de certa forma contribuem de forma paulatina para que percamos o interesse social mais efetivo uns nos outros. E o paradoxo está nessa forma, contemporânea, complicada de cultivarmos as amizades. Dessa maneira os amigos virtuais criam uma sensação falsa de intimidade e amizade, mesmo que ilusória, enquanto os amigos, de fato, construídos sobre bases sólidas, longe dessas páginas de relacionamentos, vão se tornando distantes, superficiais, quando os laços são abalados justamente por esse contato informal. Em suma, a tecnologia que esta aí, e não deve ser desprezada, veio, no caso das redes sociais, para nos mostrar o quanto há falhas em nosso modo de comunicação. É essa fragilidade, portanto, que pode ser ou não interpretada através dos emojis, símbolos que utilizamos de forma implícita para dizer aquilo que queremos de forma pragmática. A sutileza nesse modo simbólico de conversação sugere justamente a objetividade frequente com que passamos a tratar nossos amigos, já que os signos representam uma linguagem universal, sem maior comprometimento. Então ao perguntarmos se o outro está bem, ele nos envia uma confirmação através do signo da “mãozinha positiva”. Logo, sem maiores comentários, e para o nosso deleite, não foi preciso um envolvimento de fato, o que talvez pela falta de tempo e de interesse efetivo, tenha nos deixado até mesmo aliviado. Todavia, essa comunicação ciberespacial que passamos a estabelecer de forma pluralista com os nossos amigos, passou a dissociar-se do ambiente físico, onde ele era presente, para estender-se somente no espaço tecnológico, proporcionando uma ação à distância e apática, inconstante e praticamente fantasmagórica. Diante disso é provável que muito em breve venhamos descobrir que a melhor forma de interagir e se inter-relacionar com os amigos seja através da velha e boa comunicação “primitiva”, onde o diálogo era praticado olho a olho e a energia fluía de forma natural, ou terminaremos isolados e solitários nesse mundo de relacionamentos descartáveis.



segunda-feira, 18 de janeiro de 2016

Os seios que alimentam

O olhar dele para ela é de encantamento. Lindo!
     
     Minha abordagem nesse texto vem reforçar aquilo que acredito ser o grande mal da humanidade: a ignorância. É do conhecimento de todos que  pertencemos por definição biológica a classe dos mamíferos: animais que mamam. No entanto, muitos humanos que já foram devidamente desmamados não aceitam que mulheres possam amamentar em locais públicos nem que postem imagens desse momento sublime da vida delas em mídias sociais, sem com isso remeter a elas todo tipo de ofensas. Um ato absurdo e covarde! Algo que deveria ser considerado natural, afinal todos querem mostrar o seu melhor momento em fotos, desperta a ira de quem não consegue esconder sua perversidade e depravação. E que momento pode ser mais importante para uma mãe do que aquele em que ela se doa por inteiro àquele a quem ela carregou por tanto tempo em seu ventre? Mas inacreditavelmente isso choca os mamíferos, ditos racionais. Dá para acreditar nisso? As pessoas aplaudem durante o desfile de carnaval escolas de samba repletas de passistas completamente nuas desfilando descontraidamente em meio à multidão pela avenida; as praias estão abarrotadas de mulheres seminuas, usando seus minúsculos trajes de banho. Isso pode e a maioria aprova. Entretanto, como sugerem alguns, uma mulher em seu momento mais sagrado não deveria deixar seus seios à mostra. Eis o contrassenso.
Eu só vejo amor e nada mais que isso.
        Ainda que haja um consenso universal inquestionável quanto aos benefícios do aleitamento materno para um recém-nascido, algumas pessoas, do alto de sua inabalável ignorância, desejam impor às lactantes à condição de se camuflarem para só assim dar de mamar ao seu lactente. Esse fato se caracteriza pelo retardo social que representa nossa sociedade, ignorante, hipócrita e contraditória.  
Precisamos aprender a conviver em sociedade
        Mas no que diz respeito à cultura indígena, na maioria das etnias espalhadas pelo planeta, a amamentação é o processo principal onde a vida da criança só se inicia após o primeiro gole do leite da mãe. Diante dessa premissa o fotógrafo Alexander Gusov registrou o encontro de sua esposa Sasha com mulheres da tribo himba, na Namíbia em 2003, quando elas tocam em seu seio. Ele contou, na ocasião, que entrevistou uma jovem antropóloga trabalhando com mulheres em Mali, um país da África onde as mulheres não cobrem os seios. Ela revelou a ele que as índias dessa tribo estão sempre amamentando seus bebês. E quando a antropóloga lhes contou que em nossa cultura os homens são fascinados pelos seios, houve um instante de choque. As mulheres caíram na gargalhada. Riram tanto que desabaram no chão. “Quer dizer que os homens agem como bebês?”, questionaram as índias. Agora imagine você se elas soubessem que em muitas sociedades, ditas civilizadas, são impostas condições para que uma mãe possa amamentar seu filho, sendo a camuflagem uma delas. O fato é tão absurdo que fica a pergunta: será que vamos precisar de uma Lei que venha garantir esse direito tão básico quanto à própria vida?
      Recentemente pude observar algumas mulheres e seus bebês, enquanto elas aguardavam consulta com o pediatra. Duas delas estavam amamentando, outra oferecia à criança uma mamadeira; frustrada esta última contou às demais que devido a um problema nos seios não tinha conseguido amamentar. Foi então que “entendi” a histeria contra esse processo tão natural quanto à própria criação. Não é o ato que provoca o desconforto nas pessoas mal resolvidas com sua sexualidade, mas a beleza da embalagem da “lactação”. É isso mesmo. As duas lactantes tinham idades distintas. Uma muito jovem, com seus belos seios; já a outra era praticamente uma senhora. Visivelmente constrangida a mais jovem, uma moça muito bonita, ao perceber os olhares curiosos de um homem e da mulher sisuda que o acompanhava, cobriu o rosto da criança e o seio com um pano branco, enquanto a outra senhora, já de certa idade, continuou amamentando sem chamar a atenção. Assim concluí que as mulheres tanto quanto os homens atribuem aos seios o poder da erotização e da sedução, em qualquer circunstância. Por isso aqui cabe a frase de François La Rochefoucauld A hipocrisia é uma homenagem que o vício presta à virtude.” Para essas pessoas a amamentação não deixa de ser uma provocação da libido. Por isso elas preferem o isolamento da mãe e do bebê, mesmo que a pobre criança esteja se esgoelando de fome e a mãe não tenha um lugar apropriado para se “esconder” do assédio "sexual" velado e doentio de quem não consegue dissociar o erotismo do sagrado. O problema é que o mal está nos olhos de quem vê. Como diria a saudosa personagem da Escolinha do Professor Raimundo, Dona Bela, “Eles só pensam... naquilo”.
Aonde está a depravação nisso?
      Dentro desse contexto, os adultos desmamados precisam rever seus conceitos e procurar ajuda terapêutica, visto que uma mulher que amamenta está cumprindo seu papel perante à natureza, já que se conhece o valor atribuído ao leite materno e os predicativos da amamentação como fenômeno biológico e suas inúmeras virtudes como fator de desenvolvimento afetivo entre uma fêmea e sua cria. O que não é normal é que uma mulher, coagida, tenha que se esconder para amamentar. Que outro mamífero faz isso, que não seja para escapar de uma presa? Será que as fêmeas humanas ao oferecerem seus seios como fonte de alimento aos seus filhos podem se tornar presas?
Ela continua sua jornada enquanto amamenta 
Todavia, a maioria das mulheres concorda que essa é a fase mais linda de uma fêmea humana, é quando ela estabelece um vínculo de amor profundo com aquela criaturinha que será para sempre a coisa mais importante na sua vida. No entanto, este fato onde a mulher passa por humilhação demonstra que as dificuldades encontradas para manutenção da prática da amamentação é um problema de uma sociedade desajustada moralmente. Portanto, está mais do que na hora de os órgãos governamentais, organizações não governamentais e, principalmente, profissionais da área da saúde, promoverem campanhas que visem esclarecer de forma efetiva a inserção do exercício de amamentar como uma forma natural dos mamíferos. E aqui cabe ressaltar que nesse caso “Não há outro pecado além da estupidez.” Oscar Wilde.  
Quem somos nós?

     Diante desses transtornos à amamentação, fica evidente que para certas pessoas os valores foram invertidos e subvertidos e que é preciso que toda a sociedade interprete o aleitamento materno como uma condição normal a todos os mamíferos, como fator de um movimento natural da espécie, qualquer coisa, além disso, é desvio de conduta daquele que observa uma fêmea alimentando sua cria e sente-se afrontado. E não me venha com a velha máxima de que tudo se dá em defesa da moral e dos bons costumes porque muitas vezes Os costumes são a hipocrisia de uma nação.” Honoré de Balzac


    


sábado, 28 de novembro de 2015

A crueldade nos transforma no único animal a temer


     Diante de uma série de acontecimentos ocorridos nos últimos tempos, envolvendo maus tratos aos animais, venho me perguntando continuamente para onde caminha a humanidade? Com que direito tomamos às rédeas da natureza em nossas mãos, definindo de forma sádica o destino dos outros seres que habitam esse planeta? No entanto, para a maioria das pessoas a única maldade que realmente deve ser levada em consideração é aquela praticada contra os próprios seres humanos, os únicos que entendem como sendo seus semelhantes, o restante nasceu para morrer, então como estamos, supostamente, no topo da cadeia alimentar, - que estamos fazendo questão de desequilibrar com a nossa falta de bom-senso -, não importa o quanto eles possam sofrer, desde que suas mortes tenham um propósito humano ou desumano, tanto faz, pois são considerados inferiores mesmo. Dessa forma são abatidos diariamente para satisfazer, sob os mais variados pretextos, as necessidades de consumo do homem e suas frivolidades, sendo eles: cachorros, gatos, raposas, coelhos, chinchilas, jacarés, baleias, golfinhos, tubarões, cobras, gado, cavalos, jumentos, javalis, elefantes, rinocerontes, tartarugas, aves... Não basta matar para saciar a fome, é preciso abater para atender as futilidades exigidas pela vaidade, que pode ser considerada como “um princípio de corrupção”, como já disse Machado de Assis, escritor brasileiro. Portanto podemos concluir que A compaixão para com os animais é das mais nobres virtudes da natureza humana. Charles Darwin, naturalista britânico.
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     Para piorar esse quadro caótico o mundo das pseudo-celebridades contribui na medida que atiça e incentiva esse mercado carniceiro. As maiores responsáveis por essa monstruosidade são as mulheres ditas “famosas” que fazem uso de roupas de peles de animais, como a Lady Gaga, a Rihanna, entre outras. Sendo que a cantora Rihanna, assim como a personagem Cruela do desenho animado, desejou ter uma vestimenta confeccionada com pele de animal. Ela encomendou um vestido de pele de raposa e fios de ouro, feito por um estilista chinês que, segundo eu imagino, deve ser um grande apreciador de carne de cachorro. Porém, ela não está sozinha, muitas outras personalidades famosas adoram desfilar suas onerosas roupas para entretenimento e ostentação, mesmo que isso signifique o preço de uma vida, ou de várias. Mas o que para muitos pode ser considerado um luxo, eu classifico como lixo: já que literalmente foi feito com as “sobras” de uma criatura indefesa, que muito deve ter sofrido. O que me conforta é saber que “Chegará o tempo em que o homem conhecerá o íntimo de um animal e nesse dia todo crime contra um animal será um crime contra a humanidade.” Leonardo da Vinci, polímata italiano.  
     Onde está o homem moderno mesmo? Qual a diferença entre nós e os homens das cavernas? Eles não matavam para se exibir. Suas necessidades eram reais, matavam pela própria sobrevivência. Agora “arrastar animais mortos” dissimuladamente em nome de uma pseudo-moda é demais para a minha compreensão. Notem que mesmo relatando a imensa maldade praticada diariamente contra os animais, não vou aqui me ater àquelas outras criaturas das trevas que enterram animais vivos, jogam óleo quente, arrastam pelas ruas, porque essas pessoas são dementes e não há conscientização possível para elas, a não ser a lei do retorno, mas isso não é conosco é com a lei dos homens, quando estes são identificados, e com Deus.
    Não sou hipócrita, entendo que somos uma espécie carnívora, por natureza. Mas por que estamos incluindo mais “mortes” no nosso cardápio diário que por si só já é horripilante? Também me causa estarrecimento perceber que a matança de determinados animais causa prazer em muitos seres humanos, como a caça por exemplo. Onde está gozo nisso? "Eu sou a favor dos direitos animais bem como dos direitos humanos. Essa é a proposta de um ser humano integral." Abraham Lincoln, ex-presidente e político estadunidense. Portanto, o que de fato repúdio é a forma cruel como esses bichos são mortos; o processo doloroso a que são submetidos, antes que venham morrer, faz com que eu me sinta a mais impotente das criaturas, por não conseguir protegê-los dessa monstruosidade arquitetada por seres que se consideram racionais. Há um enorme abismo moral entre matar por sobrevivência e matar pelo simples prazer do paladar ou por arrogância. E vale todo tipo de justificativa para essa arbitrariedade. Não vou aqui descrever tais fatos porque sinceramente não tenho forças para tanto, e quem tiver maior interesse que faça sua própria pesquisa. Sinceramente acredito que “Antes de ter amado um animal, parte da nossa alma permanece desacordada.” Anatole France, escritor francês.
     Na verdade só estou escrevendo sobre esse acontecimento bárbaro porque acredito que somente a conscientização singular de cada um pode mudar esse cenário infernal. Porém confesso que faço isso com o coração palpitando de revolta e dor. Quem já não ouviu falar no tal foie gras, essa comida francesa, feita com fígado gordo de ganso e pato, que para chegar ao ponto desejado, o pobre animal precisa comer até não suportar mais. Tudo para que alguns imbecis possam saborear algo que provocou tanto sofrimento. Que mundo é esse que esfola um animal vivo para retirar-lhe o couro com maior facilidade e garantir assim a qualidade da sua pele? Assim fazem com os cachorros, vacas, porcos, gatos, focas, tubarões, mundo afora. Uma técnica apreciada pelos devotos do dito “couro amaciado”. E quanto ao uso de penas de aves em eventos festivos? E o consumo de carne de vitela? E a retirada do marfim dos elefantes e do chifre de rinoceronte, com o propósito de ornamentar objetos e fazer infusões afrodisíacas ou usar como perfumes e cosméticos, respectivamente. Você já parou para pensar que Os animais que você come não são aqueles que devoram outros, você não come as bestas carnívoras, você as toma como padrão. Você só sente fome pelas criaturas doces e gentis que não ferem ninguém, que o seguem, o servem, e que são devoradas por você como recompensa de seus serviços.” Jean-Jacques Rousseau, filósofo, teórico político, escritor e compositor autodidata suíço 
      Como o ser humano consegue visualizar sua imagem refletida no espelho sem o mínimo remorso por causar tanto sofrimento? Quem responde é o filósofo alemão Arthur Schopenhau “Quanto mais elevado é o espírito mais ele sofre.” Ah, tudo bem, você não se importa não é mesmo? Pois fique você sabendo que existe uma lei universal de causa e efeito, ou seja, tanta barbárie não ficará impune É compreensível que os indivíduos de má índole, que se deleitam com a prática do mal, estejam de tal maneira deformados moralmente, que para eles nada valerá tanto como o prazer sádico de ver os outros sofrerem. No entanto, somos nós que temos a consciência dessa crueldade que temos a obrigação de fazer cessar este processo de selvageria, abusivo e injusto. Assim sendo, se não for pela sua sobrevivência, não consuma produtos que possam impor tanto sofrimento aos animais. Pesquise sobre o que você está comendo. Se o foie gras causa agonia as pobres aves, despreze-o, existem outras opções de alimento. Se a tão deliciosa Nutella - assim como vários outros produtos - que é feita à base de óleo de palma, árvore que está causando a destruição do habitat dos orangotangos e dezenas de outros animais nas ilhas da Indonésia – Sumatra e Bornéo - devido à imensa procura pelo produto, já que houve nesses locais uma grande devastação da mata ciliar que foram substituídas pela plantação dessas árvores que invadem a África Ocidental pelas mãos de grandes corporações chinesas, arrasando agora o habitat dos gorilas, chimpanzés e babuínos, deixe de consumir este produto, ou faça substituição por algo que seja ecologicamente sustentável. Nós temos a força e a opção, não somos escravos do paladar. Muitos afirmam que não abrem mão do prazer de provar comidas exóticas e saborosas. E se a carne humana  fosse apreciada por ser a melhor dentre todas as iguarias, algo difícil de resistir, você se submeteria a experimentar? Você mataria por isso? Não!? Isso talvez porque você saiba que o prato principal um dia poderia ser você. Ah, entendi, você considera essa hipótese um absurdo, algo insano, reprovável, uma verdadeira blasfêmia. Ótimo! Os animais têm os mesmos direitos que os seres humanos. Esse planeta é tão nosso quanto deles, por isso ensine seus filhos desde cedo porque “A compaixão pelos animais está intimamente ligada à bondade de caráter, e quem é cruel com os animais não pode ser um bom homem.” Arthur Schopenhauer, filósofo alemão. Pássaros foram feitos para voar, não para ficar engaiolados, rodeios são divertimentos bárbaros e impróprios para Nações civilizadas. Animais merecem respeito e amor. Impor sofrimento a eles é inadmissível. E saiba que cada vez que um animal entra em extinção, um pouco de nós desaparece com ele. Não aceite calado os maus tratados impostos aos nossos semelhantes. Ao ver um animal ser maltratado, não tenha medo de se expor: grite, exija respeito. Vamos mudar esse mundo para melhor, pois “A grandeza de uma nação pode ser julgada pelo modo que seus animais são tratados.” Mahatma Gandhi, líder pacifista indiano que lutou pela independência da Índia e pela paz entre hindus e muçulmanos. 
Se você se identificou com esse texto e concorda com o que está escrito nele repasse para os seus amigos, colegas, parentes, conhecidos... Façamos uma corrente do bem em prol daqueles que não podem se defender de tanta maldade.