quarta-feira, 22 de agosto de 2012

Solidão em boa companhia



É
 estranho abordar esse assunto em pleno século XXI, mas a verdade é que a sociedade ainda não aceita a escolha de uma mulher pela “liberdade”, após o divórcio ou separação. É como se ela tivesse ligado o pisca alerta e passasse a avisar as outras, depois de se livrar das correntes, de que uma vida fora do casamento infeliz é possível e aconselhável. Em contrapartida, as casadas são consideradas “plenas”, pois estão sob a tutela do macho que tudo pode e decide. Seguindo essa premissa muitos conhecidos e até mesmo certos amigos passam a “empurrar”, de forma sutil, às vezes nem tanto, algum pretenso candidato, com a óbvia intenção de arrumar a desordem que eles imaginam ser a vida de uma pessoa solteira, ainda mais quando essa já passou pela experiência do casamento ou de algum relacionamento mais duradouro. Para eles eu cito a frase de Friedrich Nietzsche Minha solidão não tem nada a ver com a presença ou ausência de pessoas… Detesto quem me rouba a solidão, sem em troca me oferecer verdadeiramente companhia….”. A atitude, ainda que em alguns não seja intencional, revela um comportamento machista, onde o macho deve ser o foco principal de toda fêmea humana. O problema dessa maneira de pensar do casamenteiro de plantão está na falta de consciência e na incompreensão de que estar sozinho não significa necessariamente estar solitário. Contudo, o posicionamento expõe um preconceito camuflado contra as separadas, divorciadas e as chamadas “solteironas”, todas passam a sofrer o estigma das encalhadas. Uma mulher sozinha representa, ainda hoje, a independência do sexo masculino e a comprovação de sua própria competência. Não estou dizendo com isso que uma nova (ou novas) tentativa não seja válida, porém nem sempre isso torna-se o objetivo principal na vida de uma mulher “descasada”, e isso sim é o que deve ser respeitado. 

Liberdade de escolha
     O que muitos ignoram é o fato de que após a separação a maioria das mulheres precisa colocar a “casa” em ordem, ou seja, rever alguns posicionamentos, tomar as rédeas novamente de sua própria vida, e então quando há filhos, ela precisa resgatar e reforçar os laços de amor, pois os filhos são os primeiros a sofrer o impacto da dissolução da união dos pais. Diante desses acontecimentos a mulher sente uma necessidade inerente e particular de mergulhar profundamente dentro do seu próprio âmago, é lá que ela encontrará as forças para recomeçar, pois uma ruptura, ainda que desejada, trás uma sensação de fracasso e tende a baixar, logo no começo, a sua autoestima. Somente após esse resgate e a reconstrução de sua identidade é que a mulher descobre estar viva e pronta para a luta. E aqui muitos acreditam que a “batalha” deve ser pela conquista de um novo macho. Ledo engano! Toda a sua ação será de forma a reconquistar seu próprio mundo: filhos, amigos, trabalho...
“Enquanto não atravessarmos
a dor de nossa própria solidão,
continuaremos a nos buscar em outras metades.
Para viver a dois, antes, é necessário ser um”.
Fernando Pessoa


      No entanto, essa nova mulher provoca uma inquietante e alienada sensação naquelas que temem passar pela mesma situação, isto é, a metamorfose, nesse caso, é sempre um processo doloroso, e encarar a vida de frente e sozinha provoca calafrios em qualquer pessoa, por isso muitas optam por manter as aparências, levando o casamento de fachada até o fim dos seus dias. Além disso, um relacionamento estável dá ao casal a condição única de identidade dentro da sociedade patriarcal em que vivemos, e como eu já disse antes, a separação costuma derrubar todas as crenças e romper conceitos pré-estabelecidos, separando de ambos uma convivência mais amiúde com a família do outro. Em suma nada mais será como antes, e assim deve ser, até porque a possibilidade de inserção de outras pessoas é dada como certa, principalmente na vida dos homens, que conforme indicações de estudiosos costumam refazer suas vidas mais rapidamente. Mas, voltando ao tema que me levou a escrever esta postagem, a mulher sozinha volta à tona revigorada, mais confiante em sua capacidade de recomeço, e não necessariamente trás escrito à testa “mulher solteira procura”... Diante desse argumento fica fácil entender que ela busca pelo autoconhecimento. Evidentemente não sou contra, nem mesmo julgo aquelas que saem à procura de novos “amores”. Entretanto não se pode ignorar que a maioria após a dissolução conjugal opta por qualidade, já que muito provavelmente o relacionamento anterior não contava com esse predicado. A pergunta que não quer calar é a seguinte: por que as pessoas acreditam que uma mulher sozinha pode estar infeliz? A felicidade é somente um estado de espírito. Na minha particular maneira de perceber a vida, observo um medo irracional da solidão, quando muitas pessoas estão mais solitárias acompanhadas do que se estivessem efetivamente solteiras. Aliás, a disponibilidade para novos relacionamentos não parece ser condição básica para impedir certos parceiros de manter relacionamentos paralelos, haja vista o número cada vez maior e crescente de traições. E isto sim é uma atitude covarde de alguém que não consegue enfrentar a falida união, seja pela religião, pelo patrimônio, pelos filhos e muito provavelmente pelo próprio comodismo. Embora estejamos sujeitos a nos apaixonar por alguém comprometido, até porque o amor não escolhe hora nem lugar - basta que uma centelha seja despertada pela convivência, pelo ardor da admiração, pelo desejo e pela própria amizade - o que deve permanecer em relação ao outro é a honestidade. Do que adianta vivermos ao lado de outro em sacrifício pelos filhos, pela sociedade... quando o coração pulsa na presença de outro. A questão é que o amor se não for regado constantemente murcha e faz padecer todos os envolvidos.
Que as minhas pegadas encontrem seu destino

Diante desses argumentos a lição que fica é de que não devemos colocar nossa felicidade nas mãos de uma única pessoa, somos nós os grandes responsáveis pelo deleite de saber aproveitar os melhores momentos da vida, seja na companhia de alguém ou não, por isso finalizo esse texto com a brilhante escritora: Clarice Lispector
“Que minha solidão me sirva de companhia.
que eu tenha a coragem de me enfrentar.
que eu saiba ficar com o nada
e mesmo assim me sentir
como se estivesse plena de tudo”.