sábado, 16 de abril de 2011

A rainha da cocada

N
uma sociedade permeada por valores subjetivos e efêmeros, torna-se difícil não nos deixarmos levar por julgamentos extrínsecos. No entanto, basta um olhar mais demorado à nossa volta, para que certos paradigmas sejam “quebrados”.
É impressionante como a delicadeza e a altivez, características tão singulares, podem estar agregadas tanto à nobreza quanto ao mais humilde servo. Constatação que cheguei ao observar os traços, o comportamento e a dignidade de algumas pessoas humildes em sua rotina diária, de trabalho. Uma delas é uma vendedora ambulante que, obrigada pelo ofício, perambula pelo centro da cidade, onde eu moro, com a finalidade de vender suas guloseimas de coco. Embora, relutante, sei que faço parte do time dos ávidos por doce, e, por isso mesmo não consigo resistir a uma cocada coberta por chocolate ao leite... Humm! E foi por causa desse pecado capital: a gula, que eu conheci essa mulher, cujo nome eu não sei, e que, apesar de maltratada pelo tempo e, provavelmente, pela labuta diária, embaixo de intempéries, aparenta ainda certa jovialidade. Em seus braços ela carrega, diariamente, uma cesta de vime, impecavelmente limpa, coberta por um pano de prato caprichadamente ornamentado, repleta de delícias feitas de coco. Além de tudo isso, ela traz, ainda, numa bolsa amarrada à cintura, uma garrafa de álcool em gel e guardanapos de papel para que os próprios fregueses limpem suas mãos, com o propósito de que eles mesmos possam escolher a iguaria desejada, com segurança. Toda essa assepsia fez com que eu me tornasse sua “cliente”. Todavia esse cuidado com a higiene não foi a única coisa a chamar minha atenção. O que evocou minha admiração foi justamente essa composição harmônica: educação, discrição e retidão, valores que compõem a elegância intrínseca. E, nesse caso, ela em nada perde para as chamadas “socialites”, supostamente elegantes, e que, pretensamente, se consideram ou são consideradas “as rainhas da cocada”. Ironicamente, àquela a quem eu daria esse título de “Rainha da Cocada”, é a mesma que, sendo obrigada a “passear” pela cidade, leva muito mais do que quitutes em sua “bagagem”, leva também sua delicadeza e dignidade ímpar. E, diante dessa postura e distinção, contagiantes, paladares apurados são conquistados, diariamente; quiçá ela possa encontrar o trono a que tem direito.  
Àquela “nobre” ambulante, trajando um modesto vestido, verde água, entretanto, nem mesmo quando aparenta cansaço, devido à sua dura jornada de trabalho, perde sua elegância natural. Essa mesma que eu já havia notado, outrora, em outra pessoa: o jardineiro que presta serviços para o condomínio, onde eu moro; um homem humilde, jovem, caprichoso, generoso, confiável, e muito educado – pai de três lindas meninas -, e que cuida do jardim da minha casa, com esmero e carinho, há pelo menos uns quatro anos, quinzenalmente. Essas duas pessoas possuem em comum uma “conexão humana”, que nos permite diferenciar a elegância intrínseca da extrínseca, pois somente a primeira permite uma interação plena à existência, já a segunda pode mascarar a verdadeira essência. Ambos, vendedora e jardineiro, são educados, generosos e discretos; síntese perfeita da elegância intrínseca que não pode ser conceituada de forma subjetiva, já que faz parte de um contexto muito mais abrangente. Certa vez li, em algum lugar, que se pode tentar capturar essa delicadeza natural pela observação, porém é improdutivo tentar imitá-la, já que elegância e dignidade são características singulares. Então, diante desse fato, cheguei à conclusão de que a elegância é genuinamente sublimada pela essência humana, e, sendo assim, não adianta suborná-la pela compra ou perseguição, talvez essa possa, no máximo, ser “captada” pela observação e admiração.  Daí a constatação de que ser elegante não está condicionado à condição social e/ou financeira, ou ainda ao complexo e “ditador” mundo da moda e das etiquetas, já que a educação e a postura superam, de longe, toda a produção. 



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