sexta-feira, 6 de junho de 2025

Escrever histórias é um ato de resistência

 

          Esta semana vivi uma daquelas situações que nos pegam desprevenidos e, sem aviso, nos empurram para dentro de reflexões profundas. O filho de uma conhecida recebeu da professora a missão de entrevistar uma “influencer”. E, para surpresa geral da nação ― inclusive a minha ―, ele me escolheu. Justo eu, que tenho verdadeira aversão a esse rótulo que virou febre nas redes sociais e que nem sequer tenho um número expressivo de seguidores. Expliquei, com a maior calma do mundo, que não tenho esse poder de influenciar ninguém… e nem quero. Minha influência acontece de forma silenciosa, por meio da escrita, que busca informar, despertar, provocar. Mas o jovem insistiu. Quis saber como me tornei escritora, o que era preciso fazer para publicar livros. E foi ali, enquanto respondia às perguntas do garoto, aprendiz de repórter, que me dei conta: o sonho de escrever já morava em mim desde tenra idade. Eu é que o havia empurrado para longe, como quem lança algo ao espaço, porque parecia muito distante da minha realidade ― e, de fato, era.

    Hoje, mesmo com um livro publicado e outro a caminho pela mesma editora, ainda luto contra a síndrome da impostora. Sinto-me orbitando astros literários muito mais relevantes, consolidados e experientes.

    E, sinceramente, ser influencer nunca esteve nos meus planos, talvez porque a superficialidade de certos conteúdos me incomode. Ainda que haja criadores comprometidos com o saber, são raros os que realmente levam informação transformadora ao público.

      Durante a entrevista, percebi também que muita gente ainda tem uma visão utópica e poética — e, por vezes, elitista — do que é ser escritora. Como se fosse um título revestido pelo verniz do glamour, quase um dom místico. Escrever, na verdade, é trabalho. Exige entrega, observação aguçada, sensibilidade crítica, disciplina, vocabulário… e, acima de tudo, a coragem de narrar algo com propósito. É isso que tento imprimir nas minhas obras: objetividade e comprometimento com o leitor.

    E, sejamos sinceros: vivemos tempos sombrios. Época em que os livros viraram objetos decorativos — ou, pior ainda, relíquias abandonadas. Ainda assim, tomados por uma obstinação que beira a teimosia, alguns de nós seguem escrevendo. Como se cumpríssemos uma missão silenciosa, quase cármica. Movidos por uma força inexplicável, gestamos histórias que insistem em se formar e, quando finalmente nascem, gritam por atenção ― como alerta a alguém, em algum lugar.   

      Não há holofotes sobre aquele que escreve. A luz que nos guia vem de dentro e, às vezes, se apaga pela frustração de não conseguir atingir o público-alvo. O autor é o bem e o mal, o anjo e o demônio, a morte e o renascimento. Mergulhar nesse ciclo de Samsara ficcional tem seus efeitos colaterais: insônia, angústia, apego, revolta, sensação de impotência, êxtase criativo… até que a justiça tão desejada — seja no enredo ou na vida — finalmente se faça presente. Por esse percurso sinuoso, caminham de mãos dadas com o escritor a autocobrança, a rejeição e um amor persistente pelo ofício.

     E quando — e se — uma editora de prestígio aposta no nosso trabalho, sentimos, por instantes, uma euforia quase secreta. Um breve estado de graça que poucos compreendem e muitos subestimam. Dói perceber que, enquanto isso, as prateleiras se enchem de poeira — não por falta de tempo, mas por descaso. Vivemos numa sociedade que despreza o conhecimento e celebra o vazio, que troca livros por feeds, pensamento por performance, conteúdo por curtidas.

        E aí, tentando resumir tudo isso para o meu jovem entrevistador, eu disse: ser escritora hoje talvez só não seja mais difícil do que ser professora, pois ambas tecem alicerces invisíveis numa sociedade que celebra o vazio, valoriza o que reluz instantaneamente e escolhe o ruído em vez da reflexão.

      Mas seguimos. Porque, de alguma forma, contar histórias ainda é o modo mais bonito que encontrei de resistir — e, talvez, de existir, fazendo valer a minha luta por justiça social.

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