Esta semana vivi uma daquelas
situações que nos pegam desprevenidos e, sem aviso, nos empurram para dentro de
reflexões profundas. O filho de uma conhecida recebeu da professora a missão de
entrevistar uma “influencer”. E, para surpresa geral da nação ― inclusive a
minha ―, ele me escolheu. Justo eu, que tenho verdadeira aversão a esse rótulo
que virou febre nas redes sociais e que nem sequer tenho um número expressivo
de seguidores. Expliquei, com a maior calma do mundo, que não tenho esse poder
de influenciar ninguém… e nem quero. Minha influência acontece de forma
silenciosa, por meio da escrita, que busca informar, despertar, provocar. Mas o
jovem insistiu. Quis saber como me tornei escritora, o que era preciso fazer
para publicar livros. E foi ali, enquanto respondia às perguntas do garoto, aprendiz
de repórter, que me dei conta: o sonho de escrever já morava em mim desde tenra
idade. Eu é que o havia empurrado para longe, como quem lança algo ao espaço,
porque parecia muito distante da minha realidade ― e, de fato, era.
Hoje,
mesmo com um livro publicado e outro a caminho pela mesma editora, ainda luto
contra a síndrome da impostora. Sinto-me orbitando astros literários muito mais
relevantes, consolidados e experientes.
E, sinceramente, ser influencer nunca
esteve nos meus planos, talvez porque a superficialidade de certos conteúdos me
incomode. Ainda que haja criadores comprometidos com o saber, são raros os que
realmente levam informação transformadora ao público.
Durante
a entrevista, percebi também que muita gente ainda tem uma visão utópica e poética
— e, por vezes, elitista — do que é ser escritora. Como se fosse um título revestido
pelo verniz do glamour, quase um dom místico. Escrever, na verdade, é trabalho.
Exige entrega, observação aguçada, sensibilidade crítica, disciplina,
vocabulário… e, acima de tudo, a coragem de narrar algo com propósito. É isso
que tento imprimir nas minhas obras: objetividade e comprometimento com o
leitor.
E, sejamos sinceros: vivemos tempos
sombrios. Época em que os livros viraram objetos decorativos — ou, pior ainda, relíquias
abandonadas. Ainda assim, tomados por uma obstinação que beira a teimosia, alguns
de nós seguem escrevendo. Como se cumpríssemos uma missão silenciosa, quase
cármica. Movidos por uma força inexplicável, gestamos histórias que insistem em
se formar e, quando finalmente nascem, gritam por atenção ― como alerta a
alguém, em algum lugar.
Não há holofotes sobre aquele que
escreve. A luz que nos guia vem de dentro e, às vezes, se apaga pela frustração
de não conseguir atingir o público-alvo. O autor é o bem e o mal, o anjo e o
demônio, a morte e o renascimento. Mergulhar nesse ciclo de Samsara
ficcional tem seus efeitos colaterais: insônia, angústia, apego, revolta,
sensação de impotência, êxtase criativo… até que a justiça tão desejada — seja
no enredo ou na vida — finalmente se faça presente. Por esse percurso sinuoso, caminham
de mãos dadas com o escritor a autocobrança, a rejeição e um amor persistente
pelo ofício.
E quando — e se — uma editora de
prestígio aposta no nosso trabalho, sentimos, por instantes, uma euforia quase
secreta. Um breve estado de graça que poucos compreendem e muitos subestimam.
Dói perceber que, enquanto isso, as prateleiras se enchem de poeira — não por
falta de tempo, mas por descaso. Vivemos numa sociedade que despreza o
conhecimento e celebra o vazio, que troca livros por feeds, pensamento
por performance, conteúdo por curtidas.
E aí, tentando resumir tudo isso para o
meu jovem entrevistador, eu disse: ser escritora hoje talvez só não seja mais
difícil do que ser professora, pois ambas tecem alicerces invisíveis numa
sociedade que celebra o vazio, valoriza o que reluz instantaneamente e escolhe
o ruído em vez da reflexão.
Mas seguimos. Porque, de alguma forma,
contar histórias ainda é o modo mais bonito que encontrei de resistir — e,
talvez, de existir, fazendo valer a minha luta por justiça social.
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