quinta-feira, 21 de abril de 2016

Rede de amigos

     Considerado o filósofo da amizade, o grego Epicuro de Samos, afirmou em suas Sentenças Principais que "De todas as coisas que a sabedoria nos oferece para a felicidade da vida, a maior é a amizade". E tanto poetas quanto filósofos destacam a importância de cultivarmos os amigos. Por isso preciso dar o braço a torcer e parabenizar o fundador do facebook,  Mark Zuckerberg, pela sua criação. Fato que me proporcionou o entendimento de que a maioria das nossas amizades está ancorada no rasante do rio que permeia nossa vida. Ou seja, nosso conhecimento em relação aos “amigos”, sejam eles virtuais ou reais, é muito superficial. Entretanto, com o advento da internet e, consequentemente do “face”, foi possível conhecê-los um pouco melhor, através daquilo que publicam, compartilham ou curtem. E vem daí o paradoxo ao qual me refiro, essa amizade que muitas vezes cultivamos por anos, décadas, talvez, pode ter sido um equívoco, baseada na ilusão que tínhamos valores semelhantes. Contudo, quando percebemos a ambiguidade no modo de raciocinar do outro e de suas escolhas entram as emblemáticas opções do facebook, nesse turbilhão de intenções: deixar de segui-lo, bloqueá-lo ou excluí-lo, ou, ainda, ignorá-lo nessa simbólica rede de relacionamentos, quase sempre supérfluos. Mas então qual o objetivo de manter alguém tão distinto na sua galeria de “amigos”? Mostrar o quanto é sociável? Talvez para muitas pessoas que não sejam adeptas à rede de relacionamento, isso até seja possível, pois não há um envolvimento diário ou semanal. Até aí tudo bem. Mas esse não é o meu caso. Anseio por notícias, quase que diárias, sobre determinados assuntos: mundo animal, ufologia, política (agora nem tanto), ecologia, novidades em utilidades domésticas, jardinagem, arquitetura e decoração, filosofia... e quase tudo encontro nas páginas que sigo através do facebook, o que facilita minha atualização nesses assuntos. Porém, não há como ficar alheia a certas postagens, que vem de encontro àquilo que faz parte da minha filosofia de vida e das coisas pelas quais brigaria por acreditar profundamente. O problema está justamente aí, essa teia de singularidades e contradições torna inviáveis alguns relacionamentos, mesmo os ditos virtuais, pelo simples fato de que uma amizade precisa de certos elementos para fazer sentido como: gostos semelhantes, senso de humor em comum, espontaneidade, confiança, admiração e respeito mútuo. É evidente que muitas vezes descobrimos pessoas encantadoras e muito mais parecidas conosco do que podíamos sequer imaginar, e aquele amigo casual passa a ser uma grata surpresa.
       Entretanto, a decepção pode surgir de modo recíproco, já que o outro tem suas  peculiaridades tanto quanto você: sendo ele ateu, agnóstico, religioso fervoroso, ativista político, e ao perceber que você não compactua com suas ideias ou ideais, tem a mesma sensação que a sua: a amizade foi um ledo engano, e desatar esse relacionamento de fachada é o melhor a fazer. Não estou aqui dizendo que devemos romper com aqueles que pensam diferentemente de nós, mas tentando entender o porquê de algumas pessoas incluírem estranhos aos seus “contatos” para logo após passar a travar com elas verdadeiras batalhas on-line: carregadas de ofensas, indiretas e mágoas. Isso não é um contrassenso? A prática da amizade não deveria ser um componente no processo que possibilita lidarmos qualitativamente com os percalços diários, já que a vida tem suas penalidades?
     É aqui que a “porca torce o rabo” como diria minha avó, é inequívoco o fato de que precisamos conviver com opiniões divergentes, mas quando essas extrapolam e distorcem seus conceitos que foram devidamente alicerçados sob sua filosofia de vida, nada mais há a fazer. O ideal é que cada um siga seu caminho sem a máxima de que quanto mais amigos melhor. Você pode gostar de futebol, enquanto eu não. Eu sou uma “devoradora” de tudo que aborde o tema ufologia, filosofia, antropologia. No entanto, entendo que ninguém precisa ser adepto daquilo que instiga minha curiosidade, basta respeitá-la. E respeito mútuo é a chave que faz essa ignição funcionar. Caso contrário é provável que a amizade desande. Mas a questão é justamente essa: o degringolar é muito fácil de ocorrer quando se percebe que o amigo virtual não é quem você pensava ser: vocês não combinam sobre aspecto nenhum. São como a água e o vinho, o joio e o trigo. Ele não gosta de animais e/ou de gente; faz piadas homofóbicas; demonstra ser racista; egocêntrico, destila veneno em cada postagem; ostenta ser o que não é: colocando-se num pedestal de superioridade; e ao final de tudo, então, você percebe que não foi a máscara dele que caiu, mas o seu modo de percebê-lo que se alterou. E isso me faz lembrar uma frase que seguidamente circula pelo face: “Não foi outro que mudou, foi você que criou expectativas demais em cima dele”. O que talvez você não esteja entendendo é onde eu estou querendo chegar. Pois bem, eu tenho refletido muito sobre essa questão intrínseca, pós facebook, que leva muitas pessoas a buscar de forma doentia uma socialização forçada: basta um esbarrão com alguém, em qualquer lugar, para que instantaneamente receba uma solicitação de amizade dessa criatura, cujo nome você ainda nem assimilou direito. Isso não faz sentido! Você querer resgatar certas pessoas, pelo passado incomum que tiveram, é até compreensível, mas transgredir a ordem natural das coisas, através de um pedido, sem sentido, de amizade, é algo impensável, até mesmo invasivo.
     Em contrapartida tenho observado que os relacionamentos reais, entre amigos, estão mais voláteis e desbotados. Assim o afeto vai sendo conservado em barril de carvalho, num ambiente fechado e sem ventilação, possibilitando sua evaporação. E as redes sociais, facebook, Instagram, Snapchat, WhatsApp, Twitter e similares, de certa forma contribuem de forma paulatina para que percamos o interesse social mais efetivo uns nos outros. E o paradoxo está nessa forma, contemporânea, complicada de cultivarmos as amizades. Dessa maneira os amigos virtuais criam uma sensação falsa de intimidade e amizade, mesmo que ilusória, enquanto os amigos, de fato, construídos sobre bases sólidas, longe dessas páginas de relacionamentos, vão se tornando distantes, superficiais, quando os laços são abalados justamente por esse contato informal. Em suma, a tecnologia que esta aí, e não deve ser desprezada, veio, no caso das redes sociais, para nos mostrar o quanto há falhas em nosso modo de comunicação. É essa fragilidade, portanto, que pode ser ou não interpretada através dos emojis, símbolos que utilizamos de forma implícita para dizer aquilo que queremos de forma pragmática. A sutileza nesse modo simbólico de conversação sugere justamente a objetividade frequente com que passamos a tratar nossos amigos, já que os signos representam uma linguagem universal, sem maior comprometimento. Então ao perguntarmos se o outro está bem, ele nos envia uma confirmação através do signo da “mãozinha positiva”. Logo, sem maiores comentários, e para o nosso deleite, não foi preciso um envolvimento de fato, o que talvez pela falta de tempo e de interesse efetivo, tenha nos deixado até mesmo aliviado. Todavia, essa comunicação ciberespacial que passamos a estabelecer de forma pluralista com os nossos amigos, passou a dissociar-se do ambiente físico, onde ele era presente, para estender-se somente no espaço tecnológico, proporcionando uma ação à distância e apática, inconstante e praticamente fantasmagórica. Diante disso é provável que muito em breve venhamos descobrir que a melhor forma de interagir e se inter-relacionar com os amigos seja através da velha e boa comunicação “primitiva”, onde o diálogo era praticado olho a olho e a energia fluía de forma natural, ou terminaremos isolados e solitários nesse mundo de relacionamentos descartáveis.



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