quarta-feira, 15 de junho de 2016

Plagiadores da loucura

     Durante algum tempo acreditei que os loucos se refugiavam somente em lugares específicos as suas condições mentais, e imbuída do preconceito que habita o senso comum de todos aqueles que se consideram mentalmente sadios demorei para perceber que cada indivíduo, de maneira metafórica, carrega sua cota de loucura. E o meio ao qual estamos inseridos contribui de forma circunstancial para que aos poucos nos tornemos irracionais, talvez para nos possibilitar a convivência em sociedade, pois a maior causa das nossas decepções, enquanto seres humanos, está na nossa própria espécie, e nunca estivemos tão expostos à loucura causada pelo excesso de informações, como agora com o advento da internet, onde as notícias pulsam num compasso acelerado fazendo com que cada um busque se posicionar com certo extremismo entre o certo e o errado, quando passam ao desespero de "gritar" sua razão mesmo que a própria razão a desconheça, sem com isso entender que entre os dois pode haver um meio termo, o razoável. A terra fértil faz brotar, então, vozes enlouquecidas que saem à caça de seus supostos algozes, e nesse caminho sinuoso quem não estiver a favor, certamente estará contra, para o bem ou para o mal. Como já disse o filósofo inglês Thomas Hobbe, “O Homem é o lobo do Homem”, certo de que o estado natural do ser humano é o conflito: a guerra. Séculos se passaram e nada mudou.  Na essência continuamos os mesmos bárbaros, dispostos a confrontar o outro por qualquer bobagem. Fato que demonstra claramente que não sabemos lidar com as discrepâncias de opiniões que surgem nos locais onde somos obrigados a conviver: seja no ambiente real: local de trabalho, escolas, universidades, o próprio ambiente familiar, hospitais, trânsito ou mesmo em ambientes virtuais... Lugares estes onde a pressão exercida sobre a singularidade de cada um pode levar a busca por um refúgio ou a descarregar essa energia de forma agressiva no outro. E essa condição de frustração acelera o processo que compactua e plagia a forma comportamental e perigosa dos indivíduos agirem. E tudo se transforma em ódio, muitas vezes mortal. A agressão é sempre covarde e nesse momento o plágio se dá em forma de cusparada. Pessoas consideradas normais passam a agir de forma insana, quando perdem a capacidade de conversação e lançam saliva no seu oponente. Essa semana uma discussão entre duas adolescentes, teve como "atrativo" principal a troca de salivadas. O motivo do desentendimento era o momento político pelo qual atravessa o país, não sobre garotos, que talvez fosse o esperado para duas jovens se digladiando na rua. Entretanto, essa sanha demonstra a repugnância com que defendem suas ideias, a mesma que fazia com que homens empunhassem suas pistolas a fim de resolverem seus conflitos em duelos. Nada muito racional! Será que entramos na era do duelar com cusparadas?
     Então para quem chegou até aqui, talvez compartilhe da mesma impressão que a minha: estamos perdendo a razão. Porque não considero normal uma divergência de opiniões acabar em duelo salivar. Essa não parece ser a Era da Comunicação, mas uma volta à Idade Média, quando tudo se resolvia a ferro e fogo.  E o pior é que essa deterioração da palavra tem como vetor pessoas ditas racionais, que orbitam um mundo sob uma aparente civilidade. Essa é a questão aflitiva da loucura cotidiana: nunca sabemos de que lado ela está ou até que ponto podemos ser alcançados por ela.
     Já imagino, daqui alguns séculos - isso se até lá não acabarmos com o planeta, com a nossa insanidade -, as pessoas comentando (sic) que no início do século XXI as pessoas duelavam lançando salivas umas nas outras, algo muito moderno para a época, já que até os políticos profanavam com cusparadas o solo da “casa” que juraram honrar. Assim é certo dizer que benditos sejam àqueles que diante de tanta insanidade conseguem manter uma loucura lúcida e benevolente, sem se deixar contaminar pelo plágio ritualístico que empurra a lógica a um abismo onde somente os ridículos são facilmente atraídos.


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