segunda-feira, 21 de março de 2011

“Mulher de fases...”

   Já que neste mês comemora-se o dia Internacional da Mulher, faço aqui uma livre interpretação da evolução feminina através da história das nossas “tias, mães, avós solteironas”, mulheres que passaram por fases difíceis e diferentes, ao longo dos tempos, mas que souberam “driblar” as adversidades com bravura.  O objetivo é proporcionar a elas uma singela homenagem e, sem compromisso, propiciar, também, através desta leitura, uma reflexão metafórica e analógica do que realmente mudou, nestes últimos tempos, na vida das mulheres, e o que ganhamos e perdemos ao longo de tantas fases.
  Ainda, há bem pouco tempo, éramos consideradas inferiores aos homens. Nossa sina, como mulher, estava no casamento e na maternidade; e, com a mais absoluta resignação; já que éramos submissas por educação.
  Já no século passado, seguindo uma tradição surgida na Europa, por volta do ano de 1800, famílias ricas passaram a promover um grandioso baile, cujo objetivo era apresentar às jovens à sociedade, aos seus possíveis pretendentes, e mostrar que elas estavam se tornando mulheres, portanto já estavam prontas para tornarem-se boas esposas e mães. O baile de debutantes das “débus”, - cuja origem da palavra francesa début significa estréia, início -, como se conhece, até hoje, tinha mesmo que, de maneira velada, mas nem tanto, o estratagema de arrumar candidatos a marido. E, assim, lindas jovens, apresentavam-se como verdadeiras princesas à procura de seus príncipes - ainda que mal soubessem elas que a maioria deles, ao final da história, acabam virando sapos.
 Afinal de contas, naquela época, qual mulher desejaria outro destino que não fosse o casamento? O fundamento imposto pela sociedade era constituído na sustentação de que sozinha a mulher jamais seria respeitada, por isso recebia, de forma contínua e progressiva, um “treinamento” voltado único e exclusivo à conquista de um marido e à procriação.
A igreja também estabelecera normas rígidas com relação ao casamento, dando-lhe o status de sagrado, ainda no século VIII. Ao ser considerado um sacramento, ficou instituído que o casamento seria perpétuo e que a sua dissolução seria impensável e/ou inaceitável. A impossibilidade de separação de uma união era tida como grande vantagem para a mulher, já que o casamento era sinônimo de “segurança” para ela, que teria sempre um homem ao seu lado para prover suas necessidades e as de sua família, vantagem que uma mulher solteira não possuiria. Então, para garantir que suas filhas não ficassem “encalhadas” – o que para as famílias era quase como uma maldição -, as mães passavam à sua prole, os ensinamentos de como ser uma boa esposa, quanto mais a jovem se aperfeiçoasse nas “artes domésticas” – bordar, passar, costurar, lavar... – mais chances ela teria de conseguir um bom partido, sem esquecer, obviamente, da importância de os pais tudo fazerem para garantirem a “inocência” de suas filhas. Virgindade era a principal “qualidade” esperada e desejada pelo futuro marido. E, sendo assim, desde cedo, as meninas aprendiam a importância de se manterem imaculadas para aquele que viesse, no futuro, a desposá-las. As mães, ainda que “acanhadas”, por seus pudores, ensinavam suas filhas com sutileza, sobre a importância da castidade, pois não pretendiam despertar o interesse das donzelas pelo sexo, antes do dia de elas contraírem núpcias. E, assim enquanto “aprontavam o enxoval” a espera de um pretendente, que fosse do seu mesmo nível social, - alguns escolhidos pelos seus próprios pais – as mocinhas iniciavam-se, paulatinamente, no conceito abstrato de como ser uma boa esposa, mãe e dona de casa.
Entretanto, apesar dos “esforços”, muitas não conseguiam cumprir tal destino e levariam até a morte o estigma de ser uma “solteirona” - forma pejorativa de definir a mulher que não conseguira contrair matrimônio. Para evitar a “humilhação”, de não ter conseguido um marido ou de ter sido rejeitada por algum pretendente, muitas mulheres, sob pressão da família e por vergonha, fugiam desse rótulo e passavam a procurar pelos “enjeitados” pelas mais jovens, homens sem muita estirpe. Tudo era válido para não sofrer com o estigma de ser uma solteirona; afinal, ela não conseguira cumprir com o seu destino: casar e constituir família. À procura por um “senhorio” - já que o marido era considerado dono legal e religioso de sua esposa, e nela poderia, a partir do matrimônio, aplicar-lhe os castigos que julgasse necessário -, era melhor do que se tornar dependente, financeiramente, de algum membro da família, irmão ou irmã, que, após a morte dos pais, provavelmente permitiria que ela morasse em sua casa em troca de “favores”, nos cuidados dos afazeres domésticos e das crianças. Assim, a solteirona passava a ser a “tiazona”, uma espécie de escrava, disfarçada de parente, que além de trabalhar de graça, tinha, ainda, que ser bem agradecida pela acolhida.
Já vai longe esse tempo, ou será que não? É provável que ainda existam culturas e localidades, em diferentes pontos da Terra, onde sociedades machistas ainda tratem as solteironas com este sentimento pungente. Porém, uma coisa é certa, avançamos muito nestas últimas décadas. Nossa atuação, seja no campo profissional, familiar, afetivo, sexual e até mesmo político, deve-se muito a essas solteironas magníficas, que, sem fazer alarde, foram se libertando dos grilhões da subserviência e das regras impostas por uma sociedade hipócrita. E, de forma plácida, inseriram-se no mercado de trabalho, com a aprovação dos seus parentes, que preferiram vê-las trabalhando, para o seu próprio sustento, ao ter que sustentá-las para o resto da vida. Já que eram vistas como heranças malditas... E quem saiu ganhando com isso? Todas nós mulheres.  E, lá foram as tiazonas para o magistério, hospitais, fábricas, etc. A partir de então, cientes dos seus valores, nunca mais se deixaram rotular... Uma fase havia se encerrado e uma nova iniciara-se em suas vidas... E, logo em seguida, veio outra: elas descobriram-se independentes financeiramente, e foram morar sozinhas, sem a “escravidão e a exploração” dos parentes. O casamento não precisava mais ser algo “arranjado”, pois elas descobriram, também, que podiam amar sem prévias condições. E uma união estável, neste momento, era simplesmente uma questão de opção do casal, sem a obrigatoriedade nem a pompa que uma cerimônia matrimonial exige. As “casadas”, que a tudo assistiam, impassíveis, já não pareciam tão confiantes em suas escolhas – dona de casa, mãe, esposa...
E acredito, sinceramente, que a luta das “solteironas” foi o que motivou muitas outras mulheres a desistirem de uniões conjugais infelizes. E, com isso surgiram as separadas, as divorciadas e aquelas que, simplesmente, optaram por permanecerem sozinhas – quase todas, de certa forma, também no princípio, foram estigmatizadas (mas isso já é outra história).
Então, para torná-las mais livres, eis que surgiu a pílula anticoncepcional, era outra fase: a liberdade de escolher entre querer ou não ser mãe! Elas, que agora trabalhavam e estudavam, mesmo sob olhares de desconfiança, e uma inveja quase patológica, de uma sociedade machista, passaram a falar em “produção independente”. Era o fim dos tempos, logicamente para os conservadores, porque para as solteironas era o início de uma nova fase, a busca pela maternidade sem a necessidade da presença da figura paterna no cotidiano de suas vidas ou na vida de seus filhos. A solteirona, agora, sabia possuir competência, caráter, fibra, inteligência, habilidade e um amor incomensurável que precisava ser canalizado ao filho desejado e planejado.
 De lá pra cá, foram muitas as fases ocorridas na vida da mulher. Atualmente o termo “solteirona” está ultrapassado. Nesta etapa da vida, em pleno século XXI, as mulheres dizem, sem nenhum constrangimento, se estão solteiras ou não. E, além de tudo, passaram a assumir a sua orientação sexual, despojando-se de preconceito. Hoje, nesses novos tempos, relatam seus romances do mesmo jeito que falam de suas viagens e roupas, tudo com muita dignidade.
Como tudo na vida tem um preço, nós também pagamos pelo valor de toda essa liberdade. Mas, não teria sido o custo muito alto? O certo é que para toda ação há sempre uma reação. O caminho é longo, é lógico que não podemos, jamais, retroceder, mas será que não está na hora de desacelerarmos um pouco, e assim resgatarmos o tempo da paciência, já que andamos tão estressadas. É possível que com toda essa correria do dia a dia tenhamos nos esquecido de bordarmos e tricotarmos com nossas amigas; de passarmos conversas a limpo; de pintarmos novos cenários para nossas vidas e costurarmos amizades rompidas. Afinal de contas, há quanto tempo não lavamos a alma?
  Texto: Rosaide Gomes RPMT 7287
 * Você pode copiar este texto, porém, peço a gentileza de não retirar  o crédito do autor

Um comentário:

  1. Querida, excelente texto!!! Fiz uma viagem no tempo!!! E hoje o que vemos é muuuitas mulheres em relacionamentos triplos ou quádruplos (um homem, e três mulheres, ou uma mulher e dois ou três homens...), muitos emos nas ruas, e vestidondo-se de forma despojada; a modernização dos relacionamentos homossexuais, e fico pensando que já temos um novo quadro da modernidade. E não discrimino ninguém. Que fique bem claro. As pessoas devem levar a vida do jeito que entendem ser a correta.
    E aí vai a pergunta: o "correto" pertence a cada um?
    Dica: Há um espaço no Diário de Canoas, na parte do Caderno Mulher. Manda teu texto para lá, com foto. Quero te ver colunista do jornal. Por enquanto a contribuição é popular.
    Beijos, Claudia.

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