sábado, 26 de março de 2011

Saúde pública, caótica e inoperante


E
ntra governo e sai governo e permanece “tudo como d’antes no quartel de Abrantes” , citação essa que transmitia o sentimento de inoperância e inconformismo daqueles que não  se resignavam com a invasão de Napoleão Bonaparte à Península Ibérica, no início do século 19. E, hoje, em pleno século XXI, é sob essa ótica que abordo esse assunto: a resinação do povo brasileiro diante do caos instalado na saúde pública dessa amada pátria, chamada Brasil, cujo modelo de assistência aos seus cidadãos, conhecido como SUS - Sistema Único de Saúde, tem causado múltiplos sofrimentos a maioria daqueles que, sem outra alternativa, precisa buscar atendimento médico e hospitalar.
O assunto pede uma maior reflexão sobre as condicionantes sociais relacionadas com os circuitos de pobreza e as doenças. É óbvio que os pobres adoecem mais, não por serem pobres, mas porque lhes faltam as condições necessárias para serem saudáveis: higiene, saneamento, água tratada, alimentação e até mesmo educação. A impossibilidade de atendimento, no momento em que realmente é imprescindível, faz com essa grande parcela da população brasileira tenha o seu quadro de saúde, ainda mais agravado. Essa afirmação assume particular importância, quando constatamos que a maioria da população brasileira pertence à camada mais desfavorecida da sociedade.

Às portas de hospitais e postos de saúde, crianças, adultos e idosos doentes, diariamente, abarrotam salas de espera, enquanto aguardam por atendimento médico. A demanda é maior do que a capacidade que esses poucos locais têm, efetivamente, de atender aos que ali procuram diagnóstico para suas enfermidades. Se já não fosse triste o bastante estar debilitado, imagine ainda ter que pernoitar em filas, mesmo sem condições físicas e/ou até psicológicas, na esperança de conseguir assistência médica. Que sistema atroz e agonizante é esse que faz com que pessoas percam horas ou até mesmo dias, até que sejam diagnosticadas? É triste, humilhante, e debilita ainda mais qualquer pessoa que já esteja doente. 
Somente quem vive numa ilha de prosperidade e saúde, cercada por pessoas igualmente prósperas e saudáveis, pode afirmar, com ignorância e grande alegria, que desconhece o fato ao qual me refiro. 
Até quando e quantos, ainda, precisarão morrer em filas de espera por falta de leitos e de atendimentos médicos, para que medidas concretas sejam tomadas no sentido de reverter esse sistema de saúde, caótico e desumano, administrado de forma tão incompetente pelo poder público? Quanta  falta de consideração, para com aqueles que, muitas vezes, passaram uma vida inteira contribuindo, obrigatoriamente, para que essa “aparelhagem” pudesse funcionar, como é o caso de muitos idosos aposentados, que ao chegarem na velhice percebem o quanto foram ludibriados ao contribuírem anos a fio para que, chegada a idade, pudessem contar ao menos com o direito a um leito limpo e a médicos comprometidos efetivamente com o bem estar dos seus pacientes.  
O fato está se tornando tão insustentável, que um apresentador de televisão, um dia desses, muito inabilmente, confessou estar preocupado com o precário estado em que se encontram os hospitais da capital gaúcha, quiçá do estado, visto que, até para pessoas com bons planos de saúde - obviamente estava pensando em si mesmo - já estaria faltando leitos em quartos privativos. Obviamente, aquilo muito inquietara o “pobre” sujeito. Então, indignado diante das câmeras, o homem bradara pela construção urgente de mais hospitais e postos de saúde, em todo o estado. Evidentemente, naquele momento, me pareceu que ele estava defendendo os seus próprios interesses, e, embora o objetivo fosse nobre, o motivo real de tanta indignação deixava dúvidas. Portanto, podemos chegar a triste conclusão de que a luta por justiça social, não raras vezes, é motivada para defender interesses escusos e particulares. Infelizmente assim será, até que comecemos a pensar de forma mais pluralista, solidária e abrangente, em prol da sociedade da qual fazemos parte.
Uma forma de amenizar o problema, portanto, seria a construção imediata de  hospitais e postos de saúde - como bradou o "ilustre" apresentador -, além da contratação urgente de mais profissionais qualificados. No entanto, para o sucesso da implantação de uma mudança no sistema de saúde, são necessárias a adoção de medidas eficazes, como a melhora da comunicação entre os profissionais da saúde e os pacientes; aplacar a desordem no sistema de atendimento em hospitais e postos; treinar, capacitar, humanizar e dignificar todos aqueles que trabalham na área da saúde; adaptar a prestação de cuidados de saúde às necessidades e características da população de cada região; investir em saúde preventiva, cujos custos tornam-se muito menos onerosos do que o tratamento de doenças crônicas, agravadas pela falta de atendimento médico/hospitalar; elaborar um plano estratégico da instituição hospitalar e das relações com outras instituições; desenvolver políticas sociais e ambientais complementares e, finalmente, investir tecnologicamente na aquisição e na modernização de equipamentos médico/hospitalar, que visem auxiliar, os profissionais da saúde, com diagnósticos mais precoces e precisos. Atitudes simples que, em pouco tempo, trariam grandes resultados para a qualidade de vida de toda a população. Obviamente, essa tomada de decisão demanda de vultosos investimentos e de boa vontade por parte dos nossos governantes, que ainda não entenderam que é muito mais lucrativo e inteligente cuidar da saúde do que tratar da doença. Entretanto, lembro-me com tristeza e pesar que, na contramão dessas medidas, está o fechamento, em poucos anos, somente na capital gaúcha, de grandes hospitais, com problemas estruturais e financeiros, que cerraram suas portas, definitivamente, deixando a população, ainda, mais desamparada.
Essa é a pergunta que não quer calar: para onde está indo o dinheiro que deveria ser destinado à saúde? Afinal de contas por que o cidadão paga tantos e altos impostos se não tem retorno algum, nem quando mais precisa? Por que não há uma política social, de forma operante, voltada a investir na prevenção de doenças e na promoção da saúde, de maneira a erradicar as gritantes disparidades sociais que se refletem nas desigualdades de acesso à saúde? A resposta é simples, os senhores políticos, apresentadores, empresários... a elite, em geral, não precisam do SUS. Somente quando os seus leitos estiverem ameaçados ou ocupados, eles se darão conta que vamos todos para o mesmo lugar.
 Em suma, a solução talvez esteja, em primeiro lugar, na implantação de normas rígidas que visem acabar com a corrupção, que tira da população menos favorecida um dos seus direitos fundamentais: o acesso gratuito a um sistema de saúde único – voltado a todos -, justo e operante.
Enquanto escrevo esse texto, provavelmente, muitas pessoas, em várias partes dessa tão nobre pátria, estão morrendo por falta de assistência médica e hospitalar. Pense nisso... Saúde e paz pra você, sempre.





Um comentário:

  1. Querida Rosaide, pactuo do mesmo pensamento. E também sou revoltada com esse sistema do caos da saúde pública, pois se pagamos fortunas de impostos, por que razão nosso dinheiro não é bem aproveitado? Por que razão as pessoas não conseguem sequer ambulâncias quando necessitam?
    E essa é a idéia central: o programa saúde da família tem que ser real e efetivo, e não apenas mostrado nas manchetes dos jornais. Os remédios de necessidade vital devem estar à disposição nas farmácias públicas, gratuitamente, e não estão. E por que não se faz viagens (mas reais, e não de turismo), para fazer-se relatórios de hospitais que funcionam no País para serem literalmente copiados em grande escala em todos os Estados?
    É amiga...estamos no meio do caos, sem falar na falta da segurança pública, e isso é só o começo...se não houver decisões políticas sérias no nosso sistema. Fica com Deus.
    Estarei escrevendo sobre os idosos no meu blog vidaboaezen.com. Beijos. Claudia.

    ResponderExcluir