quinta-feira, 7 de julho de 2011

Inverno sem igualdade social não tem glamour


E
sse texto provavelmente encontrará muita resistência, nessa parte do hemisfério sul, entre os adeptos dos dias e noites gelados. No entanto, é bom lembrar que, pelo mundo, tradicionalmente, as festividades relacionadas ao solstício de verão sempre tiveram maior importância do que suas congêneres associadas ao solstício de inverno, o que é facilmente compreensível se levarmos em conta o fato de que as primeiras são celebrações associadas ao sol, isto é, à luz e aos dias quentes, sempre mais apreciados do que as longas noites de inverno. Isso acontece porque o clima tem a capacidade de influenciar o estado de espírito das pessoas, cujo bom humor fica mais “aflorado” no verão, visto que no inverno há um recolhimento natural do ser humano, deixando-o mais introspectivo e propenso à leitura e à busca do autoconhecimento. Há, ainda, quem veja nesse “cenário” gelado e supostamente “europeu”, outras motivações, como a possibilidade de tirar do armário os agasalhos pesados, quentes e sofisticados, fazendo com que se sintam glamourosos. Contudo, no meu caso, a única vontade que tenho é de comer e dormir o dia inteiro, pois o simples ato de levantar de manhã, tomar banho, trabalhar, e até mesmo conversar é algo que, com o frio rigoroso, me dá um imenso desejo de suprimir. Melhor mesmo se eu pudesse hibernar durante todo o inverno, igual aos ursos, ou ainda se pudesse ser como os patos que, nessa época, migram para o norte. Embora eu tenha uma leve impressão que “pato” me soa mais familiar, já que ursos não existem por aqui.
Convenhamos, então, quem consegue  ver glamour à moda cebola, sendo a primeira camada de roupa composta por básicas, pijamas, blusas, blusas, blusas... até chegar à vestimenta principal. Ah, como não lembrar que por baixo de toda essa suposta elegância, pode haver eventuais banhos “enforcados”. Portanto, o prazer, talvez, esteja na alimentação calórica composta por pães, leites, cafés, chás, chocolates quentes, vinhos, fondues, etc. Essa teoria me leva a pensar que a gastronomia seja o real motivo para que muitos apreciem essa época do ano, pois até os meus dedos, tanto os dos pés – mesmo usando quatro meias – quanto os das mãos, estão gelados. Fato esse que me faz crer que gostar do inverno não é racional, já que o frio não é democrático e quem mais sofre o seu efeito são os pobres que, na sua grande maioria, moram em casas sem nenhum aquecimento. Essas pessoas, além de padecerem com as baixas temperaturas, ainda, muitas vezes, se alimentam mal, dormem mal, se vestem mal e, consequentemente, adoecem mais, lotando ainda mais os hospitais e os postos de saúde.
Dentro desse contexto, essa estação me parece propícia somente aos “felizardos endinheirados” e aos turistas que podem, a fim de descansar e gastar, aproveitar todas as comodidades que as suas casas, os hotéis e as pousadas têm a oferecer: comida farta, quartos aconchegantes com lareiras, ar condicionados, pisos acarpetados, banheiros aquecidos com água quente nas banheiras e chuveiros, café da manhã no quarto, almoço... Enfim um verdadeiro “vidão”. Dessa forma, ver a neve até pode ser interessante. Todavia, para quem precisa sair, literalmente, da sua “zona de conforto”, durante os três meses da estação, as baixas temperaturas são um convite às diversas doenças provocadas ou agravadas pelo frio: gripes, sinusites, laringites, bronquites, otites, rinites e asma, cujas maiores vítimas são as crianças que, juntamente com os seus pais, são obrigadas a levantar cedo para irem à creche ou escola, e com isso enfrentam o açoite do vento gelado em suas faces rosadas, marcas essas provocadas pelas assaduras da friagem.  Mas isso não é o pior. A angústia é imaginar que muitas famílias sequer possuem um teto ou cobertores para se abrigarem do frio congelante, ou ouvir, ainda,  o relato comovente de uma criança que usa as folhas do seu próprio caderno escolar para cobrir as frestas da sua casa, por onde o vento, contumaz, insiste em penetrar. Logo, como podemos dar ao inverno essa conotação orgulhosa de clima europeu?
 Num país onde há uma enorme desigualdade social e o governo não subsídia a energia elétrica para que mais famílias possam adquirir chuveiros elétricos, aquecedores e ar condicionados ou até mesmo facilite a compra de fogões à lenha, lareiras, agasalhos e roupas de cama, como apreciar as belezas do clima gelado? Sem esse apoio do Estado, o cidadão brasileiro, habitante da região sul do país, para ter a sua casa bem aquecida, precisa desembolsar o triplo do valor que costuma pagar à sua conta de luz, tornando a estação ainda mais onerosa ao seu bolso de contribuinte.
Em suma, o inverno no Brasil é, literalmente, uma fria. E, como nos extremos não se encontra o equilíbrio, as melhores estações são, na minha opinião, a primavera e o outono, sempre amenas. Nem o frio siberiano, nem o calor senegalês, visto que esses só são bons aos endinheirados/desocupados. Contudo, se alguém ainda não se convenceu de que o inverno aos pobres traz sofrimento, eis aqui uma indicação de leitura: "A Menina dos Fósforos", um conto gigantescamente singelo e impactante, de Hans Christian Andersen.
E para quem ainda não se deu por conta, há campanhas do agasalho sendo realizadas em várias localidades do estado.
Sua colaboração fará muita diferença. Participe!





    






                                                                                    




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