terça-feira, 22 de novembro de 2011

O rei está nu

Obra de Salvador Dali

No
mundo globalizado, a arte mesmo sendo multifacetada deve, por sua característica singular, atingir o âmago do ser humano. Naturalmente modelada pelos fatores históricos e sociais, a arte, por seu aspecto “transgressor”, renova a visão do homem sobre o seu próprio jeito de ver o mundo físico, mental e espiritual, o que torna essa manifestação universal e atemporal. Entretanto, o objetivo desse texto é defender o argumento de que todo ser humano é um artista em potencial, mesmo que o conceito de arte seja subjetivo, podendo ainda variar de acordo com a época e cultura, ela pode influenciar o modo como nós decidimos viver a realidade. Assim sendo como podemos padronizá-la? Cada um, a sua maneira, desempenha o seu papel artístico. Então, por que rotulamos o artista como sendo uma espécie de “deus” quando sua manifestação nada mais é do que um talento particular e natural.  Dentro dessa visão reservada, vejo metodologia no modo como o pedreiro assenta os tijolos; o marceneiro transforma a madeira em mobiliário; o agricultor prepara o solo para que possa receber as sementes que servirão de alimento; a dona de casa arranja o lar... Enfim, todas as ações “produtivas” levam o homem a desenvolver suas habilidades naturais e artísticas, seja no campo intelectual, físico e espiritual, e isso eleva toda obra à condição de arte. Obviamente os ditos intelectuais se contorcerão com a minha definição tão pueril. Porém, não se esqueça de que foi uma criança que percebeu que o rei estava nu, alusão que faço ao conto de Hans Christian Andersen, onde todos os adultos da côrte fingiam que o soberano vestia finos trajes, somente para agradá-lo, quando na verdade era a sua vaidade e arrogância que o colocara numa situação ridícula  e embaraçosa, diante dos súditos “ignorantes”.

Pietá de Michelangelo
  No entanto, mais do que a expressão de uma simples linguagem a arte deve, sobretudo, ter o intuito de comunicar integralmente, ou seja, é preciso entendê-la também através do seu contexto. Assim ressaltou o filósofo alemão Friedrich Nietzsche, “Temos a arte para não morrer da verdade”. Seguindo esse raciocínio se pode citar o teatro, como forma primitiva e milenar de elevar a arte à sublimação, já que possui como objetivo principal o poder de levar o prazer da participação coletiva. Embora eu não seja uma “expert” neste assunto, procuro seguir a minha intuição, sempre que vejo uma obra de arte. Assim sendo, busco na interpretação daquilo que observo uma análise “verdadeira”, isto é, procuro entender a proposta daquilo que supostamente está à mostra. Portanto, deixo a hipocrisia de lado, em alguns momentos, para colocá-la em xeque.
Quadro de Van Gogh
Na semana passada, a convite de uma amiga, visitei uma exposição de arte contemporânea de um escultor (não me ocorre, no momento, a sua naturalidade) que estava de passagem pela capital gaúcha. A obra apresentada por ele era composta por vinte peças feitas com as “sobras” de oficina: parafusos, pregos, roscas, porcas, fios, arames etc. Àquelas esculturas o artista deu um formato peculiar, porém diante daqueles ferros escovados e retorcidos, fundidos em peças disformes e frias, me fiz a seguinte pergunta? Não estaria eu, também, diante de um rei nu? Embora cada um dos convidados tivesse à mão um folheto explicativo sobre a individualidade da peça, confesso que não vi naquela exposição nenhuma obra de arte. Mas como a noite ainda reservava algumas surpresas, descobri que se eu desejasse levar alguma daquelas esculturas, teria que desembolsar um valor substancial, coisa que eu não pretendia fazer mesmo que estivesse “nadando em dinheiro”. Não, definitivamente aquelas obras de arte não combinavam com a minha sala, nem estavam de acordo com o meu gosto e/ou bolso. A complexidade desse tema, no entanto, pode levar o prezado leitor a falsa ideia de que eu seja uma “entendida” no assunto. É evidente que eu compreendo que a arte contemporânea se divide em vários segmentos: abstracionismo, surrealismo, dadaísmo... Ainda assim ela precisa ter essência e transmitir sensibilidade. “Há pessoas que transformam o sol numa simples mancha amarela, mas há aquelas que fazem de uma simples mancha amarela o próprio sol”, declarou Pablo Picasso.
Obra de Pablo Picasso
É nesse ponto que eu estaciono... Ali naquele local haviam somente manchas amarelas... As obras que estavam expostas àquela oficina eram totalmente desprovidas de sentido. Não estavam conectadas nem com a racionalidade nem com a sensibilidade. Ah, mas então o caro leitor dirá que esta era a verdadeira intenção do artista. Muito bem, se este era o objetivo do artesão, fundir ferramentas umas nas outras, para transmitir o vazio, então ele e eu temos o mesmo talento, ou seja, vamos fazer com que as pessoas sintam-se num vácuo intelectual, sem entenderem nada do que venham a visualizar com a arte proposta. Por isso me desculpem os intelectuais de plantão, mas usar a ignorância do povo para impor um engodo é, sobretudo, uma tentativa arrogante de suborno à sua capacidade intelectual. Portanto dentro dessa argumentação fica a certeza de que existe, sim, arte em tudo, porém podemos classificá-la, assim como o fez o poeta Fernando Pessoa “O fim da arte inferior é agradar, o fim da arte média é elevar, o fim da arte superior é libertar”.
Deste modo, seguindo os meus instintos básicos, me retirei, à francesa, daquela exposição, pois sou autêntica, e, igual a criança, recuso-me a participar de um embuste artístico. Embora eu deseje boa sorte ao tal escultor - que eu não tenho a menor intenção de denegrir a imagem. E, quem sabe diante das dificuldades financeiras eu não saia, também, a catar “lixo” pelas oficinas da cidade, para fazer a minha própria arte. O problema será convencer as crianças de que não se trata de “fazer arte”, mas de compor uma obra de arte. Concluo este texto com uma frase dita pelo magnífico artista Leonardo da Vinci que A lei suprema da arte é representação do belo”.  

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