sábado, 26 de novembro de 2011

Aprisionados pelo corpo

Finalmente uma campanha que valoriza os diferentes biotipos femininos

 
 milhões de anos, o corpo humano vem se transformando e evoluindo para se adaptar ao ambiente e assim poder se desenvolver. Portanto, torna-se fundamental que tenhamos com ele uma relação harmoniosa. E, segundo o codificador do espiritismo, o francês, Allan Kardec, O corpo existe tão somente para que o espírito se manifeste” . Partindo dessa premissa, muitos acreditam que a saúde do homem está condicionada aos seus pensamentos. Talvez por isso haja uma propagação dos livros de autoajuda, onde o pensamento positivo é incentivado como forma de se manter o vigor corpóreo, o que confirma a famosa citação latina, derivada da Sátira X do poeta romano Juvenal, Mens sana in corpore sano”. No entanto, chegamos às portas do terceiro milênio, num mundo dominado pela cultura exagerada a corpos, ora esqueléticos ora “malhados” demais, e onde ninguém parece estar muito preocupado com a saúde mental. Conforme o escritor francês François La Rochefoucauld “Temos mais preguiça no espírito do que no corpo”. Contudo, essa inversão de valores têm levado muitos indivíduos a extrapolarem a racionalidade, através de regimes mirabolantes, de cirurgias plásticas, do consumo de esteróides e anabolizantes... A questão toda está, mais uma vez, em volta da padronização definida pela ditadura social. O assustador nisso tudo é que pesquisas recentes apontam que a maioria das pessoas está insatisfeita com o seu corpo, e que se submeteria a plásticas corretivas. Segundo o antropólogo francês, David Le Breton, em seu livro “Adeus ao Corpo”, o ser humano está, plasticamente, se “moldando” conforme sua vontade, porém "Ninguém deve culpar-se pelo que sente, não somos responsáveis pelo que nosso corpo deseja, mas sim, pelo que fizemos com ele", disse, certa vez, o escritor gaúcho Érico Veríssimo.

       A imagem corporal está intrinsecamente associada ao conceito individual que o homem tem sobre si mesmo. Diante disso, tudo leva a crer que o ser humano virou um produto de marketing, e aquele que não se enquadrar dentro desse “pacote” não é merecedor de crédito, por isso é excluído ou é conduzido ao afastamento social. Direcionados por esse viés homens e mulheres peregrinam pelas academias de ginásticas, clínicas de estética, spas etc, buscando de forma doentia por “tratamentos” milagrosos e/ou alternativos, mesmo que para isso tenham que ferir, danificar ou modificar seus corpos, dando um caráter patológico a esse ritual, cuja tentativa desesperada nada mais é do que alcançar o padrão vigente de beleza. Essa ultrapassagem dos limites do bom senso, todavia, nem sempre garante ao sujeito, que venera corpos “plastificados”, o sucesso dos artifícios por ele usados, e o tiro acaba saindo pela culatra. Até mesmo dentro do universo da moda existe uma dicotomia, que menospreza esse comportamento compulsivo e doentio pela veneração ao corpo, A moda é um circo cheio de palhaços que se levam muito a sério declarou o fundador da agência de modelos Elite, John Casablancas.
Essa metamorfose arquitetada pelo homem, contudo, não consegue transpor a prisão corporal em que ele se encontra, isto é, a mente não acompanha o corpo, e, infeliz, o homem contemporâneo, devido ao seu biotipo, geralmente, não consegue se adequar ao padrão de beleza imposto pela sociedade, ficando cativo dos seus anseios e frustrações. Essa apreciação, entretanto, leva à conclusão de que a imagem ganhou de fato predomínio sobre a argumentação. Então é isso, nossa sociedade propõe um conceito equivocado e desumano, num momento em que impõe um modelo de corpo que, segundo ela, deve ser padronizado esteticamente de acordo com as exigências do “mercado” podendo variar do belo, magro, alto e saudável - mesmo que este último quesito seja questionável - ao “sarado” e/ou “bombado” artificialmente, cujas implicações, em ambos os casos, afetam diretamente a vida das pessoas, no momento em que desorganiza aspectos fisiológicos, emocionais, culturais e sociais.
  
O professor japonês Hirochi Ishiguro
 e o seu alter ego Geminoid HI-1
CYBORG A discussão é antiga, o homem sendo substituído pela máquina... A inspiração partiu das telas de cinema, que entendeu o temor humano de ser trocado por robôs e andróides. A conspiração se fazia sentido ou não já é outra história. Atualmente, influenciado pela indústria da moda e pela mídia, o ser humano se mutila para se tornar cibernético: frio e imortal, alguém sem expressão, talvez um cyborg, já que virou pecado mortal ter um corpo envelhecido e flácido: com rugas, celulites, estrias e sem implantes de silicone ou botox. “... a mídia impôs padrões de beleza que atendem somente aos interesses comerciais”, declarou recentemente, em entrevista à ISTOÉ independente, o célebre cirurgião plástico, Ivo Pitanguy. O incentivo cruel vem, também, das passarelas, onde modelos andróginos desfilam roupas como se fossem “cabides ambulantes” - o irônico é pensar que a moda é feita para todos. O mundo não precisa de pessoas obcecadas pela estética do corpo, precisa mesmo é de pessoas melhores”, observou o estilista brasileiro Jum Nakao. Contudo, ao sentirem-se traídas pela sua constituição física, muitas pessoas são levadas a atentar contra o próprio corpo, quando cometem contra ele verdadeiras atrocidades. Essa morfofobia ao contrário de corrigir, acentua ainda mais os defeitos e desfigura completamente a imagem humana.

Em suma, cada vez mais plastificado o corpo humano vai deixando de ser carne para tornar-se sintético. Não haverá demora até que a única coisa “real” no homem seja sua mente, que se tornará cativa de um corpo cibernético. Então, aprisionado por este modelo “artificial” de beleza, a imortalidade e o vazio, finalmente estarão inseridos na vulgaridade que se tornará a vida humana. O aspecto positivo está no fato de que não haverá lágrimas para o arrependimento... Mas como já disse o poeta alemão Friedrich Novalis, “Só há um templo no mundo e é o corpo humano. Nada é mais sagrado que esta forma sublime. Inclinar-se diante de um homem é fazer homenagem a esta revelação na carne. Toca-se o céu quando se toca um corpo humano.”






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