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Arruda, para espantar a inveja...
e não deixar que este texto "desande" |
A Preguiça se esparrama,
A Luxúria se esbalda
Só a Inveja se esconde
ser humano habita este planeta, segundo a maioria dos antropólogos, há milhares de anos. No princípio o homem e a mulher dividiam as mesmas responsabilidades e tarefas, e juntos viviam em harmonia, até que se iniciou a caça aos grandes animais, onde a força física se tornou essencial, elevando a supremacia masculina. No entanto, já havia, naquela época, dentro dessas primitivas culturas, um sentimento enrustido: a “inveja do útero”, sentida pelos homens, uma antepassada da moderna “inveja do pênis” que sentem as mulheres nas culturas patriarcais mais recentes. Logo observamos, percorrendo os campos da história, da filosofia, sociologia e antropologia, através dos tempos, que os mecanismos fisiológicos e comportamentais, manifestam-se de forma indireta, independente da cultura, classe social, idade e sexo. Portanto, não há uma divisão entre o primitivo e o civilizado, pois o homem é mais singular do que julga ser, já que nem mesmo os milênios foram suficientemente capazes de suprimir este sentimento tão nefasto quanto primário, cujo parentesco com o orgulho não pode ser ignorado.
Então, a partir daqui, tentarei, modestamente, fazer uma “dissecação” dessa conturbada emoção, de forma a compreender o que leva algumas pessoas a cultivá-la, de maneira contumaz e destrutiva. Por ser um assunto multifacetado, pela pluralidade dos aspectos que abrange, a inveja acaba tornando-se um tema intrigante, já que envolve questões muito complexas, ligadas ao comportamento humano. O Gênesis refere-se a ela como sendo um dos primeiros pecados da humanidade. E quem não se lembra da triste história fratricida de Caim, este arquétipo da inveja, que amava a Deus, que preferiu a seu irmão Abel, fazendo com que Caim se enfurecesse e, cego de inveja, matasse seu irmão. Também, na mitologia grega, há uma representação perfeita daquilo que chamamos de inveja: a terrível Medusa, que, segundo conta a lenda, teria sido transformada pelo próprio pai em uma bela mulher em troca de sua imortalidade. Porém, a deusa Atena invejou tanto sua beleza que a transformou em górgona, condenando a todos que a olhassem em estátuas de pedra. “Não há delito maior que a audácia de se destacar”, descreveu Winston Churchill. Concorda, com essa premissa, além de Descartes, a maioria dos outros filósofos, que condenam veementemente essa invídia, cuja tradição cristã classificou como sendo um dos pecados capitais, que embora seja o mais praticado é também, proporcionalmente, o mais negado. Assim dizia Nelson Rodrigues, "O sujeito não confessa ter inveja nem ao padre, nem ao psicanalista, nem ao médium e nem depois de morto". O invejoso se entristece pelo bem alheio, isto é, ele não consegue tolerar o sucesso do seu semelhante, ao contrário, sua desgraça o satisfaz. Como diz a célebre frase do Marquês de Maricá, “A inveja e ciúme do mérito alheio acusa e revela a mediocridade do próprio”. Na obra do historiador e filósofo francês, René Girard, “A violência e o sagrado”, o autor apresenta a tese de que o ser humano é marcado essencialmente por um anseio mimético, ou seja, o desejo de ter o bem do outro ou ainda ser o outro. Dentro deste conceito a magnífica metáfora da lenda da cobra e do vaga-lume, evidencia o caráter maldoso e incontrolável do invejoso, que age muito mais induzido pela própria aflição do que pela razão. Entretanto, aqui, é preciso fazer uma ressalva, há momentos em que invejosos e invejados, intrinsecamente, passam, de forma recíproca, a sentir inveja um do outro. Nada que possa surpreender, já que os seres humanos integram, com maestria, "a divina comédia" - uma alusão ao livro do Dante Alighieri.
Contudo, inserida, sutilmente, nos meandros de uma sociedade pós-moderna, a inveja, ainda hoje, assume inusitadas aparências, seja no campo profissional, familiar, pessoal... Onde, não raras vezes, a competição passa a “disfarçar” a verdadeira intenção do sujeito, isto é, este concorrente esconde um séquito de antigas frustrações e fracassos não resolvidos e interiorizados. Por isso é comum algumas pessoas confundirem a admiração com a inveja, já que ambas costumam “aliciar” seguidores. Embora a segunda opção, a invídia, se manifeste de maneira a transformar certas atitudes em atos simulados de menosprezo ou de indiferença, o que consequentemente tem como intenção gerar no outro uma situação contundente de humilhação. Numa comparação metafórica, esta necessidade atua na alma do invejoso, tal qual a ferrugem no metal, de modo a corroer paulatinamente sua essência, deixando marcas geralmente invisíveis e irrecuperáveis. A inveja é tristeza que se torna ódio, "e o ódio nunca pode ser bom", diz, por sua vez, o filósofo Baruch Spinoza.

Em suma, as pessoas invejosas sentem-se menosprezadas pelas outras nos aspectos profissionais, pessoais, pelos bens materiais, morais, status, atributos físicos, notoriedade e poder, e sem conseguir lidar com o próprio fracasso elas transferem e/ou atribuem as outras a culpa por suas frustrações. E por estar alastrada em toda a sociedade, seja no ambiente familiar, corporativo e social, esta emoção potencializa-se à medida que camufla sua verdadeira intenção. Eis a questão... Quantas pessoas não planejam, premeditadamente, eventos sociais como jogos e festas com a nítida intenção de “barrar” aquelas que lhe fazem sombra, evidenciando um sentimento de onipotência, na tentativa de contrabalançar emocionalmente o seu complexo de inferioridade. Quem nunca ouviu a expressão ele é o “dono do campinho”, portanto, só poderá jogar quem ele permitir; ou ainda, ela é a “dona da festa”, só poderá entrar quem não ofuscar o seu apagado brilho. Sim, porque esses indivíduos não se “garantem” diante da presença dos invejados. São Paulo a eles certamente diria “Alegrai-vos com os que se alegram e chorai com os que choram” . Portanto, finalizo este texto com o seguinte recado: os amigos nem sempre são os que se compadecem ou se solidarizam com a sua desgraça, mas aqueles que, efetivamente, se alegram com o seu sucesso.