Enquanto ele debochava, nós perdíamos quem amávamos... |
Demorei a escrever, não por falta de vontade, mas porque esse assunto me corrói pelas camadas de absurdo e dor que carrega. São anos de frustração engasgada, desde que o país começou a despencar moralmente em 2018.
Apesar do que se ouve com frequência, acredito que ainda existam políticos honestos. Homens públicos como o Olívio Dutra e o inesquecível Pepe Mujica provam que é possível envelhecer sem fortuna, sem escândalos, apenas com dignidade. Infelizmente, os que se destacam pelo barulho e pela corrupção fazem a política parecer uma cesta de ovos podres. Mas enquanto os podres gritam, os íntegros permanecem firmes e silenciosos, honrando os votos e a confiança que um dia receberam do seu povo.
Não consigo aceitar que, depois de toda essa encenação ― desde a famigerada 'fakeada' ― ainda haja quem defenda o clã Bolsonaro com fervor. A linha invisível que liga Adélio Bispo a um clube de tiros caro, cheio de lacunas mal explicadas, continua sendo ignorada por quem escolhe acreditar no que convém. E me pergunto: por que o Messias, tão agressivo com mulheres, pessoas pretas, LGBTQIA+ e tantos outros, jamais demonstrou verdadeira revolta contra aquele que teria atentado contra sua vida? A resposta talvez não esteja no que ele diz, mas no que escolhe silenciar. Diante dessa premissa, chamo atenção para os dois “ungidos”, pelo sobrenome grifado, que fingem ser luz, quando na verdade são sombras com discursos ensolarados. Não. Eu nunca acreditei naquela falácia teatral.
Convenhamos: alguém que inicia sua carreira política tentando explodir o quartel onde servia, talvez carregue consigo uma bagagem emocional, digamos, pouco estável. O fetiche por armas, militares, motociatas e jet-skis — sempre cercado por homens — poderia ser tema de uma tese de psicanálise. Freud certamente se divertiria. Quem sabe as muitas uniões não foram tentativas desesperadas de conter um grito interno, sufocado pela performance viril? Nessa encenação de força, há quem veja apenas o reflexo de uma fragilidade não confessada.
Nesse momento, eu o convido a parar por um minuto, em silêncio. Se você se considera cristão, pense: Jesus foi torturado, humilhado, crucificado. Sua dor é o alicerce da sua fé. Como, então, apoiar alguém que homenageia um torturador como Brilhante Ustra?
Ainda me lembro bem da pandemia, quando o então presidente ironizou o sofrimento de quem não conseguia respirar. Foi impossível não pensar na minha mãe, que em 2014 lutou para encher os pulmões pela última vez, vítima da H1N1. Eu testemunhei seu desespero, buscando ar, chamando por mim, antes de ser levada à UTI. Dois dias depois, ela se foi. A dor é real, e o deboche nunca deveria ter espaço onde falta compaixão.
Voltando aos fatos, amplamente registrados em vídeos públicos, Bolsonaro já afirmou que nasceu para matar. Fez piadas sobre zoofilia e ainda relatou, com orgulho nauseante, que flertou com meninas venezuelanas, pois “pintou um clima”, segundo ele, durante um passeio de moto. Na mente onde os neurônios parecem ter sido substituídos por vermes, um senhor de 70 anos paquerando adolescentes é normal, afinal, ele se acha irresistível. A cena é grotesca e real. E como se todas as sandices já não bastassem, esse projeto malformado de homem declarou, em alto e bom som, que sonegava tudo o que podia. Afirmou que, numa guerra, a morte de 30 mil seria apenas um “efeito colateral”. É impossível esquecer que esse sujeito já apontou o dedo na cara de uma mulher, afirmando que ela, por não se enquadrar em seus padrões de beleza, não mereceria sequer ser estuprada. Como se isso fosse mérito, e não monstruosidade. E continuando sua trilha de preconceito escancarado, disse à Preta Gil que seus filhos não namorariam pessoas negras nem seriam gays, porque, conforme ele, foram bem educados. O quê? Bastaria essa única declaração dele para me causar repúdio. O resto apenas confirma o que sempre esteve evidente: o preconceito não está na manchete, está nas entrelinhas, visível a quem sabe interpretar texto.
Essa criatura nefasta, em sua essência venenosa, transferiu, pelo mau exemplo e DNA, à prole ardilosa a mesma disposição para o entreguismo. Eles não hesitam, parecem prontos até a negociar o próprio país com o imperialismo americano. As evidências públicas indicam um interesse escancarado dos Estados Unidos sobre nossas riquezas minerais, como se fossem deles por direito. Se isso não for traição à pátria, então o conceito perdeu seu sentido.
Se mesmo assim você continua firme, pleno, defendendo esse ser caricato, cruel e abjeto com seu linguajar chulo e medíocre, que vive destilando ódio, e que recentemente chamou seus próprios seguidores fanáticos de malucos, num raro momento de sinceridade, só posso concluir que você é igual a ele. O único “amor” dessa figura se restringe aos filhos, seus clones políticos, e ao Trump, um personagem cercado por escândalos de pedofilia, ex-aliado do infame Jeffrey Epstein, cuja morte, ainda hoje, cheira a queima de arquivo.
Contudo, compreendo sua resistência. Afinal, é mais fácil se abrigar nos grupos de WhatsApp do que romper esse casulo feito de ignorância. Enredado por mentiras habilmente distribuídas pela família Bolsonaro, você acaba mergulhado em uma realidade paralela onde fake news são norma. E nisso, admitamos, eles são mestres. Se ainda assim restar alguma dúvida, olhe para a turba que idolatra o seu “mito”: gente que só briga por interesses próprios e nunca pela coletividade. Não promovem igualdade, nem respeito ou dignidade, porque, para eles, você não tem valor. Como já declarou com desdém o dito cujo certa vez: “Só tem uma utilidade o pobre no nosso país aqui: votar. Título de eleitor na mão e diploma de burro no bolso para votar no governo que está aí.”
E foi o sucesso do clã Bolsonaro, ao disseminar mentiras e propagar o ódio, que abriu caminho para que outros políticos da mesma estirpe surfassem confortavelmente na mesma onda. Essa estratégia encontrou abrigo numa parcela expressiva da população, carente de consciência de classe e que passou, paradoxalmente, a atacar justamente aqueles que defendem seus direitos. A esses, os bolsonaristas rotularam de “comunistas”, sem sequer compreender o real significado da palavra. Afinal, sua lógica tem a profundidade de um pires.
Que fique claro: não estou classificando ninguém por inteligência, mas por discernimento e generosidade. É impossível, por qualquer fundamento sensato, rezar para Deus e para pneus ao mesmo tempo. Assim como é completamente irracional entrar num templo sagrado empunhando arminhas com as mãos ou gritando pelo demônio. Fé não sobrevive à contradição moral.
Lutar por justiça social é, antes de tudo, reconhecer o outro como igual, mesmo quando está longe, mesmo quando pensa diferente de nós. A incoerência de pregar com a Bíblia em mãos enquanto se deseja a morte revela o abismo moral de uma sociedade adoecida. A verdade é que, se aquele plano obscuro de 8 de janeiro tivesse se concretizado, hoje não estaríamos debatendo ideias, estaríamos sendo silenciados. Não pela justiça… mas pela tortura.
E, se, após tudo o que foi dito, você ainda defende uma ideologia conspiratória que atenta contra uma democracia arduamente conquistada, então é preciso encarar a realidade: você compactua com a tortura, com abusos, com preconceitos que dilaceram nossa humanidade. Porque não há neutralidade possível diante de quem nomeou para proteger o meio ambiente um ministro que tinha óbvias intenções em destruí-lo. E, nessa “natureza” perversa que alguns seguem, ignorando o próprio reflexo, sobra aos que enxergam o horror estampado na figura patética que hoje se faz de vítima, mas antes se vangloriava de ser imbroxável.
Finalizo este texto por aqui, embora pudesse facilmente escrever um livro inteiro sobre as atrocidades cometidas por esse sujeito, e digo com a autoridade de quem observa, há anos, tudo isso de fora do curral. A verdade é que Bolsonaro me embrulha o estômago. Um homem que, em vez de usar tornozeleira eletrônica, deveria estar dividindo cela com os cúmplices da destruição nacional. E se, mesmo depois de tudo o que você leu ― fatos amplamente registrados, documentados e escancarados ― ainda assim insiste em bater continência para a bandeira americana e defender o indefensável, então, por favor, tenha ao menos a decência de construir argumentos sólidos. Seja honesto, coerente e minimamente inteligente. Porque, no fundo, o que está em jogo não é apenas uma opinião política, é a sua dignidade diante do espelho.
Aproveito para deixar aqui duas perguntas, que talvez provoquem alguma reflexão: em que Deus você realmente acredita? Para quem, afinal, você se ajoelha diante do altar quando apoia esse ser execrável?