E quando eu acreditava que a dor de perder tudo havia sido levada pelas águas lamacentas do passado recente, fui novamente surpreendida pela possibilidade de sermos, mais uma vez, atingidos pela força da correnteza dos rios que descem do centro do estado para desaguar nos já saturados Guaíba, Rio dos Sinos e Gravataí. A situação pode se agravar ainda mais com a grande quantidade de chuva prevista para os próximos dois dias.
Todo esse volume certamente afetará os níveis de água e pode causar novas inundações, especialmente na parte oeste do município, cuja cota já está acima do normal. Mas, para não continuar “chovendo no molhado”, vou me ater ao lado psicológico dos habitantes — pessoas desanimadas, inseguras e, em sua maioria, completamente descrentes nos políticos que, de forma irresponsável, pouco ou nada fizeram para evitar que outra catástrofe volte a se repetir.
Mal conseguimos nos recuperar do trauma de uma tragédia jamais imaginada, e agora estamos diante de outro desafio: em quem acreditar?
A Defesa Civil emite alertas; a prefeitura afirma que devemos ficar atentos, mas garante que não há risco de algo tão catastrófico quanto o ocorrido no ano passado. Enquanto isso, vemos um embate entre os alarmistas que espalham pânico e os otimistas que tentam suavizar a situação com frases de efeito.
No meio dessa queda de braço estamos nós, que já começamos a planejar uma possível fuga. Mas fugir... para onde? Montar uma logística de evacuação quando se tem cães, gatos, doentes, crianças e idosos é um verdadeiro dilema. Abrigos? E onde deixar os móveis e eletrodomésticos conquistados com tanto esforço ao longo de mais um ano de luta?
Poucos imaginam o desespero dessa parcela da população, que representa aproximadamente 60% dos 350 mil habitantes, que vivem nos bairros Rio Branco, Fátima, Mato Grande, Harmonia, Mathias Velho, São Luiz e Industrial. Nessas regiões, arroios e rios cruzam os limites urbanos, contando com um sistema de diques e bombas de drenagem — que, até poucos anos atrás, parecia suficiente.
Contudo, a especulação imobiliária desenfreada e a ganância de políticos e empresários resultaram no fechamento de nascentes e no desmatamento. Já uma parte da população também tem sua parcela de culpa, ao descartar de modo irresponsável o lixo doméstico e da construção civil em locais inapropriados, o que leva ao entupimento das bocas de lobo. Tudo isso contribui para a situação miserável e angustiante que enfrentamos hoje.
A chuva, que um dia embalava nossos sonhos, agora provoca insônia e pânico. Mesmo aqueles que moram longe dos rios sentem a insegurança corroer qualquer desejo de continuar recomeçando. E mesmo que eu não volte a perder tudo, não sinto alívio. Porque saber que o outro está passando pelo que eu já passei só me traz apreensão e tristeza.