terça-feira, 24 de abril de 2012

Barbie em carne e osso


     O enfoque conferido neste texto não será a transformação do corpo, também não pretendo dar ênfase ao “arsenal” de futilidades que conferem à boneca esquálida e oxigenada um ar arrogante, e sim as tentativas de camuflagem da mesma através de uma lógica de consumo, onde a principal recomendação do mundo da moda é que a sociedade somente avaliza sucesso e felicidade às jovens que possuírem o mesmo padrão de beleza da boneca. E o que estava ruim, ficou péssimo. Eis que, nos últimos tempos, surgiram indícios de que a Barbie existe, ainda que num lugar longínquo, muito além dos trópicos. E o que fazer agora? Ela é esquelética, tem cara de manequim de loja, se veste igual a Xará e parece tão superficial quanto à própria. Mas isso não importa. Infelizmente para desespero de muitas meninas, apareceram muitos “Kens”, também musculosos e cabeças ocas, interessados em conhecê-las melhor.
     Mas o que preocupa nessa história, além dos vários relatos de bulimia, anorexia e tantas outras doenças que acometem muitas meninas em busca de uma imagem idealizada de Barbie, é que com o surgimento da criatura em carne e osso - muito mais osso que carne, diga-se de passagem -, surge o temor de isso virar uma tendência delirante entre a garotada que deseja alcançar o mesmo estereotipo de beleza. Num mundo onde uma grande parcela de crianças e jovens, vivendo em zonas urbanas, está acima do peso, torna-se impossível pensar numa imagem tão impregnada de simbologia, e, ao mesmo tempo, conferir a ela o poder de determinar um padrão estético de beleza, que não condiz com a realidade da maioria que considera ser esse o verdadeiro conceito feminino de perfeição a ser alcançado. Aqui se abre um abismo. Ser magra, loira, alta... foge completamente do biótipo físico da grande maioria das mulheres. Estar fora desse modelo, então, passa a ser um flagelo; para muitas é a morte. Assim o dramalhão causado pelo exagero ganha fôlego e leva à culpa e à depressão.
     O argumento proposto não impõe uma caça às Barbies, bonecas ou não. Porém, leva a uma análise, sob um contexto sócio-cultural, de como esse “brinquedo” pode transformar essa ficção infantil numa fixação juvenil, onde o fetiche e a simulação da conquista do parceiro estão atrelados a uma falsa identificação, cuja intenção é mostrar o mesmo porte físico, ainda que seja tísico. E mesmo que o fabricante coloque-a na selva, na cozinha, como engenheira da computação, apresentadora de telejornal, trabalhadora, esposa... ela não perde a pose. Sempre sorridente, bem escovada, “face” rosada e em “boa forma” - de palito. Sua feição trai sua cinquentenária experiência, isto é, não evidencia que ela seja real, porque não é mesmo.  Nós sabemos disso, e as crianças que fazem dela, ainda que inconscientemente, um modelo a ser seguido, e agora descobrem que a criatura fala e anda, pensam o quê? Elas estendem o conceito de bonecas ao encapsularem a sua relação com o mundo da moda, onde modelos reais, desfilando em passarelas, personificam a brincadeira e agregam valores questionáveis, já que ditam tendências no vestuário, aparência, beleza... é o consumismo aliado ao que o capitalismo tem de pior: criar disparidades sociais. Dentro desse conceito há uma falência efetiva da real representação feminina que come, adoece, engravida, envelhece... Ainda que sejam representações da fêmea humana independente, as bonecas não expressam nenhum sentimento de desânimo, raiva, amor, ciúmes, rancor, tristeza... E as verdadeiras, ou seja, as pretensas candidatas enveredam pelo mesmo caminho, puxando para si a posição de representante legítima da famosa boneca.
     O caro leitor deve estar se perguntando onde eu pretendo chegar com esse artigo. Alguém já pensou em criar uma Barbie cinquentona? Ao invés dos cabelos amarelos, brancos; com rugas, se bem que hoje tem o botox. Ela provavelmente seria siliconada, enxuta e magra? Sim, pois passou a vida se alimentando de alface, e muito debilitada, arrependeu-se do regime a que forçou suas fãs, as crianças, a fazer. Mas, deixando a boneca de lado, já que está na hora de acabar com a brincadeira. Voltemos, então, às candidatas reais. Elas moram na Rússia, Polônia... Nos lugares gélidos da Terra, nem poderia ser diferente. Não poderiam pegar o sol dos trópicos; não podem nem mesmo, aos finais de semana, comer chocolate, arroz, feijão, massa, pizza, batata... Todas essas delícias de uma boa mesa, pois só comem folhas verdes, de segunda à segunda, são praticamente animais ruminantes. Elas estão sempre de dieta, e então também devem estar sempre de mau humor. Fazer academia, nem pensar! Já que não têm forças, devido a pobre alimentação em carboidratos...
     É óbvio que as bonecas que representam a moda jamais devem deixar de existir, nem tão pouco deixarem de ser belas. O problema está no exagero apelativo que elas conferem ao mundo infantil, provocando, indubitavelmente, uma apreciação abstrata da realidade. Essa interferência introduz uma sexualidade precoce, além de levar ao errôneo conceito de que sem os artifícios do “vestir-se” bem e sem os atributos físicos da boneca, não há como ser amada, quiçá feliz. Moda, beleza, juventude e sexo: eis a forma básica de acender e propagar a fogueira das vaidades, desencadeando um tórrido e fútil estilo de viver. Verdadeiras ou não, as candidatas a bonecas que se cuidem, porque a vida não é brincadeira, e costuma trocar de foco como quem troca de boneca.


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