É estranho
que mesmo depois de séculos de suposta evolução o homem ainda não tenha
aprendido ou até mesmo aceitado seu próprio corpo, quando ainda, em tempos
ditos modernos, se abala diante da própria nudez, seja por admiração ou
desprezo. É provável que a causa disso seja, principalmente para os cristãos, a
passagem bíblica, cujo capítulo, talvez, mais instigante esteja justamente na
narrativa do Pecado Original, que impõe sobre o primeiro pecador, Adão, o
conhecimento de sua própria nudez, como forma de castigo por Deus, por seu ato
de desobediência, por ter ele ousado comer o fruto proibido. Foge-me,
entretanto, o raciocínio lógico quando penso que sendo seu Criador, por que Ele
se preocuparia com algo tão natural: a condição natural da sua criatura? A
verdade é que nem mesmo a mitologia aborda esse tema de forma “confortável”,
assim Homero, em sua esplendorosa Odisséia, ao relatar o fato de que seu
personagem mitológico, Ulisses, após o naufrágio, constrange-se por sua nudez, diante
da princesa Nausícaa. Então, extremamente desconfortável o rei de Ítaca tenta
esconder seu órgão sexual com arbustos. Mais de dois milênios depois e nada
mudou. Provavelmente o destemido herói, 2500 anos depois, sentir-se-ia da mesma
maneira: envergonhado e desamparado ao se defrontar em situação semelhante. No
entanto, não podemos esquecer que em algum momento do nosso passado
caminhávamos sobre a Terra naturalmente livres, e que os gregos no século V a.C
organizavam suas competições esportivas completamente nus. A estátua de Sátiro,
proveniente do século II a.C evidencia
um homem dormindo, talvez na rua ou numa praça, sem roupa, atitude que deveria
ser considerada comum para a época. Contudo, a sociedade, principalmente a
ocidental, ainda nos dias atuais, transforma esse estado natural do corpo
humano na mais absurda polêmica.
concepção
libidinosa que a nudez causa à grande maioria dos terráqueos – tirando aqui os
animais irracionais, que são assumidamente mais resolvidos diante de sua própria
anatomia. Um bom exemplo dessa teoria está no grupo Femen, movimento feminista
que nasceu na Ucrânia em 2008, e hoje já se encontra internacionalizado. Ironicamente
essa organização, que expõe geralmente os seios de suas ativistas, tem como
objetivo o extermínio de práticas como turismo e exploração sexual de adultos e
crianças, sexismo e todo tipo de patriarcado. E sabe por que elas conseguem chamar a
atenção? Muito simples: elas sabem que a exposição do corpo feminino, ainda
hoje, tem “poder” de levar à discussão, causando controvérsias, ou seja,
ninguém consegue ficar indiferente a inusitada situação, o que para o grupo
torna-se positivo, assim talvez a causa pela qual elas lutam seja inserida no
contexto social, ganhando adeptos. Mas nem tudo são flores.
Aproveitando-se dessa “neurose coletiva”
arraigada em praticamente toda a sociedade, já que a nudez está vinculada ao
conceito abstrato de luxúria, muitas pessoas se valem desse imaginário
pluralista para fazer valer seus atributos físicos, e, consequentemente, estimulam
a apologia ao corpo perfeito. Quem perde? Toda a sociedade. Não existem corpos
perfeitos, existem estágios da vida onde os corpos apresentam maior frescor,
ninguém chega à velhice com um corpo de jovem. E aqui a coisa complica ainda
mais, mas não vou me ater, nesse momento nessa questão. Minha reflexão está
muito mais voltada na tentativa de entender o porquê dessa paranoia que leva muitas
pessoas a buscar, a qualquer preço, uma condição física idealizada, tornando-se
escravas dessa cultura industrial que fomenta a estética da perfeição. E tudo
seria até normal, não fossem as inúmeras barbáries cometidas em nome dessa
profana adoração. Quem é lindo e jovem sofre porque sabe que um dia deixará de
ser e inevitavelmente será substituído por outro, já quem não obteve da mãe
natureza a mesma generosidade no quesito beleza ou mesmo já não é tão jovem,
sente-se injustiçado por sua “triste” condição humana. Inseridos, desse modo,
numa sociedade na qual o processo de envelhecimento é rejeitado, muitas pessoas
atiram-se na vala comum quando decidem adotar um estilo jovial de viver, mesmo
que isso represente sofrimento e abnegação, ao submeterem-se a tratamentos
estéticos torturantes e dietas malucas, que mais provocam malefícios do que
efetivamente bem estar físico e emocional. Contudo é bom lembrar que todos
caminham para o mesmo destino: a finitude inerente a todo mortal. Então por que
não adotar uma atitude mais leve no modo de viver, sem que haja, com isso, tantas
cobranças ou julgamentos, onde cada um seja livre para fazer suas próprias
escolhas e o respeito comece pelo nosso corpo, tão complexo e sagrado, que jamais
deveria ser profanado ou somente cobiçado, mas ser dignamente referenciado como
portador de uma alma, sendo desnecessário que haja sobre o corpo qualquer
comentário conspurcado.
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