O
enfoque conferido neste texto não será a transformação do corpo, também não
pretendo dar ênfase ao “arsenal” de futilidades que conferem à boneca esquálida
e oxigenada um ar arrogante, e sim as tentativas de camuflagem da mesma através
de uma lógica de consumo, onde a principal recomendação do mundo da moda é que
a sociedade somente avaliza sucesso e felicidade às jovens que possuírem o
mesmo padrão de beleza da boneca. E o que estava ruim, ficou péssimo. Eis que, nos
últimos tempos, surgiram indícios de que a Barbie existe, ainda que num lugar longínquo,
muito além dos trópicos. E o que fazer agora? Ela é esquelética, tem cara de manequim de loja, se veste igual a Xará e parece tão superficial quanto à própria. Mas
isso não importa. Infelizmente para desespero de muitas meninas, apareceram muitos
“Kens”, também musculosos e cabeças ocas, interessados em conhecê-las melhor.
Mas
o que preocupa nessa história, além dos vários relatos de bulimia, anorexia e tantas
outras doenças que acometem muitas meninas em busca de uma imagem idealizada de
Barbie, é que com o surgimento da criatura em carne e osso - muito mais osso que
carne, diga-se de passagem -, surge o temor de isso virar uma tendência
delirante entre a garotada que deseja alcançar o mesmo estereotipo de beleza. Num
mundo onde uma grande parcela de crianças e jovens, vivendo em zonas urbanas,
está acima do peso, torna-se impossível pensar numa imagem tão impregnada de
simbologia, e, ao mesmo tempo, conferir a ela o poder de determinar um padrão
estético de beleza, que não condiz com a realidade da maioria que considera ser
esse o verdadeiro conceito feminino de perfeição a ser alcançado. Aqui se abre
um abismo. Ser magra, loira, alta... foge completamente do biótipo físico da grande maioria das
mulheres. Estar fora desse modelo, então, passa a ser um flagelo; para muitas é
a morte. Assim o dramalhão causado pelo exagero ganha fôlego e leva à culpa e à depressão.
O
argumento proposto não impõe uma caça às Barbies, bonecas ou não. Porém, leva a
uma análise, sob um contexto sócio-cultural, de como esse “brinquedo” pode
transformar essa ficção infantil numa fixação juvenil, onde o fetiche e a
simulação da conquista do parceiro estão atrelados a uma falsa identificação,
cuja intenção é mostrar o mesmo porte físico, ainda que seja tísico. E mesmo
que o fabricante coloque-a na selva, na cozinha, como engenheira da computação,
apresentadora de telejornal, trabalhadora, esposa... ela não perde a pose.
Sempre sorridente, bem escovada, “face” rosada e em “boa forma” - de palito.
Sua feição trai sua cinquentenária experiência, isto é, não evidencia que
ela seja real, porque não é mesmo. Nós
sabemos disso, e as crianças que fazem dela, ainda que inconscientemente, um
modelo a ser seguido, e agora descobrem que a criatura fala e anda, pensam o
quê? Elas estendem o conceito de bonecas ao encapsularem a sua relação com o mundo
da moda, onde modelos reais, desfilando em passarelas, personificam a
brincadeira e agregam valores questionáveis, já que ditam tendências no
vestuário, aparência, beleza... é o consumismo aliado ao que o capitalismo tem
de pior: criar disparidades sociais. Dentro desse conceito há uma falência
efetiva da real representação feminina que come, adoece, engravida,
envelhece... Ainda que sejam representações da fêmea humana independente, as
bonecas não expressam nenhum sentimento de desânimo, raiva, amor, ciúmes,
rancor, tristeza... E as verdadeiras, ou seja, as pretensas candidatas enveredam
pelo mesmo caminho, puxando para si a posição de representante legítima da
famosa boneca.

É
óbvio que as bonecas que representam a moda jamais devem deixar de existir, nem
tão pouco deixarem de ser belas. O problema está no exagero apelativo que elas conferem
ao mundo infantil, provocando, indubitavelmente, uma apreciação abstrata da
realidade. Essa interferência introduz uma sexualidade precoce, além de levar
ao errôneo conceito de que sem os artifícios do “vestir-se” bem e sem os atributos
físicos da boneca, não há como ser amada, quiçá feliz. Moda, beleza, juventude e
sexo: eis a forma básica de acender e propagar a fogueira das vaidades, desencadeando
um tórrido e fútil estilo de viver. Verdadeiras ou não, as candidatas a bonecas que se cuidem, porque a vida não é brincadeira, e costuma trocar de foco como quem troca de boneca.