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epois de retornar
da Europa, após um período de férias, uma amiga muito querida avisou-me que irá
se casar novamente, em julho próximo. O cenário não poderia ser mais romântico,
na região francesa da Alsácia, há poucos quilômetros da fronteira com a
Alemanha. Será a quinta vez que ela sucumbirá ao “fetiche” do casamento. Você
deve estar se perguntando, mas o que há de errado nisso? Nada. A não ser o fato
de que ela passa mais tempo na estrada do que em casa, pois a rotina lhe parece
um verdadeiro martírio. Desde que nos conhecemos, quando fazíamos faculdade
juntas, ela já era uma adepta do “voo livre”. Sua alma cigana a impede de
fincar raízes em um determinado lugar ou mesmo se condicionar as frivolidades
do parceiro, por isso mesmo na menor das contrariedades levanta “acampamento”,
já que agora ficou mais fácil, pois está aposentada, e segue sua vida de retirante,
sem ter que dar satisfação a ninguém. Todavia, nem tudo são flores, o caminho por
vezes torna-se espinhoso, assim que a saudade da família aperta ou a solidão
ecoa em seu âmago ela corre para o aeroporto mais próximo de onde estiver, rumo
aos braços dos filhos, netos e amigos queridos. Sem contar o fato de que não
raras vezes ela precisou trilhar pelas estradas da vida de forma solitária. E
aqui está o motivo pelo qual minha amiga sempre decide juntar as escovas de
dente: detesta viajar sozinha e as amigas ou os seus familiares nem sempre
podem acompanhá-la. Por isso essa compulsão pelo casamento que, segundo sua
própria definição, deve ser eterno enquanto durar a lua de mel ou a viagem. Porém,
há quem veja nessa atitude singular certa futilidade, já que seria um mero
acordo pré-nupcial de turismo e logística. Contudo, aqui não se pretende julgar
ninguém, pois como já dizia a minha vó “o
que é de gosto é regalo da vida”. Também não pretendo nesse espaço contar a
vida particular dessa enigmática, maravilhosa e pragmática pessoa. Ela está
feliz e isso é o que realmente importa.
Essa história
aqui narrada, até então, só serviu para abrir caminho para um assunto que nos
últimos tempos têm despertado a minha curiosidade: casamento e separação. Mas
afinal o que querem homens e mulheres? Se todos os outros relacionamentos foram
meros enganos, como afirma minha amiga, como saber se esse não será mais um
dolo? Não há como saber.
É provável que
nunca na história da humanidade tantos relacionamentos tenham fracassado de
maneira tão rápida, o que não significa que não tenha dado certo. Mas ainda que
muitos digam que o casamento é uma instituição falida, paradoxalmente ele
parece não tomar conhecimento disso, e, firme e forte, segue arrastando adeptos
pelo mundo todo. Assim, somos instigados, mais cedo ou mais tarde, a entrar
numa outra dimensão, onde a ordem dita que precisamos aprender a conviver com o
outro, aceitando seus defeitos e aprimorando os nossos sentidos, para que seja
possível uma troca efetiva nessa relação a dois, onde não será mais possível
conjugar o verbo na primeira pessoa do singular.
O amor rima com dor
Na Provença, do
século 12, os trovadores tinham uma apreciação complexa do amor romântico: a
dor gerada pela visão da figura graciosa, a insônia provocada pela perspectiva
do encontro, o poder de algumas poucas palavras ou olhares para determinar o
estado de espírito de alguém. Nove séculos depois, apesar de alguns avanços,
continuamos com a mesma sensação, sendo que a maioria sonha poder um dia
encontrar a sua “tampa da panela”, porém, apesar dos esforços, às vezes mais de
um lado do que do outro, essas peças descobrem que não foram feitas sob medida,
e por isso mesmo saem à procura de outra, cujo encaixe seja perfeito e as
complete de forma plena. Este é um risco calculável, mas não tem jeito, não há
fórmula que garanta uma felicidade eterna, e a velha máxima de que “seja eterno
enquanto dure” ainda parece a coisa mais sensata a fazer quando o ajuste não é
mais possível. O que fica difícil de entender é o motivo que leva muitas
pessoas a obrigar o parceiro(a) a continuar a relação, mesmo quando o amor, o
respeito, a admiração, a atração e a cumplicidade deixam de existir. Essa relutância
está bem exemplificada na letra da música, cujo título sugestivo chamado Pedacinhos,
composta por Guilherme Arantes, elucida o que sobra da relação quando há uma
conformidade e falta de auto estima... ♪ Pra que ficar juntando os
pedacinhos do amor que se acabou. Nada vai colar. Nada vai trazer de volta a
beleza cristalina do começo e os remendos pegam mal, logo vão quebrar...♪

Pegando carona nessa
na linda composição podemos dizer que continuar um relacionamento baseado em
mentiras ou sentimentos retroativos é um contrassenso, já que segundo os
especialistas a paixão dura no máximo quatro anos - exceto aquela considerada
platônica. Assim, o desafio é saber transformar
aquilo que sobra da euforia dos primeiros anos em amor, compreensão, respeito e
cumplicidade. Isso tudo, entretanto, parece ter ficado de lado quando a maioria
deseja sentir novamente a adrenalina causada pela força da paixão que faz com
que a pele fique ruborizada e a temperatura do corpo ascenda, fazendo o coração
bater mais rápido e o desejo sexual se tornar mais intenso, além de alterar o
estado de consciência dando lugar à euforia. Sensação que muitos procuram fora de casa. Eis os elementos que homens e mulheres,
assim como um vício maldito, tentam manter a qualquer custo sob a égide do
casamento. Uma batalha travada diariamente, para que a guerra a sustentar esse sonho
de estar constantemente apaixonado seja vencida. E quem já não sentiu uma
vontade incontrolável, de após o término da paixão, acabar tudo e dar chance
a uma nova história de amor, não sabe a que me refiro. Apesar disso a maioria
dos casais ainda tenta, após o fim do período romântico e turbulento,
investir no relacionamento, buscando renovar o sentimento com companheirismo e
afetuosidade, dando à relação certa estabilidade, canalizando seus sentimentos
aos filhos, que sem saber tornam-se a desculpa perfeita, em certos casos, para que
o fatídico relacionamento tenha continuidade. Embora essas atitudes nem sempre alcancem
o resultado esperado, muitos casais, sem perceberem se “enterram” em nome de
uma suposta posição social que o casamento possui dentro da sociedade ou até
mesmo para não comprometer o patrimônio conquistado ou mesmo a felicidade dos
filhos, ainda que passem a maior parte do tempo entre tapas e beijos, com a
esperança de que as coisas possam ser como já fora algum dia. Entender que a relação não precisa ser para sempre talvez seja o caminho para que esta possa durar mais que as nossas próprias expectativas.
Contudo não há
como negar, as relações ditas estáveis e tradicionais, nos dias atuais, passam
por uma crise de “identidade” e apesar dos inúmeros apelos da própria sociedade
em prol da união da família, o casamento atravessa por uma turbulência
generalizada, expondo a fragilidade humana e a falência das relações conjugais.
Não sabemos mais o que buscar no outro e nem o que ele pode esperar de nós. Ser
bom já não é o suficiente, para ser feliz o ser humano exige que a sua metade
da laranja seja perfeita. E assim como a minha amiga todos fogem da rotina do
dia a dia. Mas não há como fugir do
óbvio, os homens com o advento da pílula azul ganharam a liberdade e a garantia
de que fora de casa o desempenho sexual estará garantido. Em contrapartida as
mulheres se descobriram, e mais cuidadosas exigem do parceiro o mesmo
desempenho que teriam com as suas amantes. Com isso, embora as batalhas sejam vencidas
ao longo do relacionamento, ganhar a guerra se tornou bem mais complicado, porque cada um
está preocupado com o seu conceito particular de felicidade. Diante disso
acredito que seja muito difícil que os nossos filhos possam presenciar ou até
mesmo festejar Bodas de Ouro ou mesmo de Prata, pois escolhemos que mais vale
grandes emoções, ditas pelos especialistas de monogâmicas sucessivas do que a
rotina de uma monogamia desvanecida. Podemos dizer, entretanto, que tudo vale a
pena quando a alma não é pequena. E a sempre a possibilidade de um grande e “eterno”
amor nascer após a finitude da paixão, que talvez para alguns poucos felizardos
jamais tenha fim. É apostar para ver!