segunda-feira, 13 de maio de 2013

Toda nudez será respeitada


É estranho que mesmo depois de séculos de suposta evolução o homem ainda não tenha aprendido ou até mesmo aceitado seu próprio corpo, quando ainda, em tempos ditos modernos, se abala diante da própria nudez, seja por admiração ou desprezo. É provável que a causa disso seja, principalmente para os cristãos, a passagem bíblica, cujo capítulo, talvez, mais instigante esteja justamente na narrativa do Pecado Original, que impõe sobre o primeiro pecador, Adão, o conhecimento de sua própria nudez, como forma de castigo por Deus, por seu ato de desobediência, por ter ele ousado comer o fruto proibido. Foge-me, entretanto, o raciocínio lógico quando penso que sendo seu Criador, por que Ele se preocuparia com algo tão natural: a condição natural da sua criatura? A verdade é que nem mesmo a mitologia aborda esse tema de forma “confortável”, assim Homero, em sua esplendorosa Odisséia, ao relatar o fato de que seu personagem mitológico, Ulisses, após o naufrágio, constrange-se por sua nudez, diante da princesa Nausícaa. Então, extremamente desconfortável o rei de Ítaca tenta esconder seu órgão sexual com arbustos. Mais de dois milênios depois e nada mudou. Provavelmente o destemido herói, 2500 anos depois, sentir-se-ia da mesma maneira: envergonhado e desamparado ao se defrontar em situação semelhante. No entanto, não podemos esquecer que em algum momento do nosso passado caminhávamos sobre a Terra naturalmente livres, e que os gregos no século V a.C organizavam suas competições esportivas completamente nus. A estátua de Sátiro, proveniente do século II a.C  evidencia um homem dormindo, talvez na rua ou numa praça, sem roupa, atitude que deveria ser considerada comum para a época. Contudo, a sociedade, principalmente a ocidental, ainda nos dias atuais, transforma esse estado natural do corpo humano na mais absurda polêmica. 

     Todavia, há quem tire algum tipo de proveito – para o bem ou para o mal - dessa 
concepção libidinosa que a nudez causa à grande maioria dos terráqueos – tirando aqui os animais irracionais, que são assumidamente mais resolvidos diante de sua própria anatomia. Um bom exemplo dessa teoria está no grupo Femen, movimento feminista que nasceu na Ucrânia em 2008, e hoje já se encontra internacionalizado. Ironicamente essa organização, que expõe geralmente os seios de suas ativistas, tem como objetivo o extermínio de práticas como turismo e exploração sexual de adultos e crianças, sexismo e todo tipo de patriarcado.  E sabe por que elas conseguem chamar a atenção? Muito simples: elas sabem que a exposição do corpo feminino, ainda hoje, tem “poder” de levar à discussão, causando controvérsias, ou seja, ninguém consegue ficar indiferente a inusitada situação, o que para o grupo torna-se positivo, assim talvez a causa pela qual elas lutam seja inserida no contexto social, ganhando adeptos. Mas nem tudo são flores.
      Aproveitando-se dessa “neurose coletiva” arraigada em praticamente toda a sociedade, já que a nudez está vinculada ao conceito abstrato de luxúria, muitas pessoas se valem desse imaginário pluralista para fazer valer seus atributos físicos, e, consequentemente, estimulam a apologia ao corpo perfeito. Quem perde? Toda a sociedade. Não existem corpos perfeitos, existem estágios da vida onde os corpos apresentam maior frescor, ninguém chega à velhice com um corpo de jovem. E aqui a coisa complica ainda mais, mas não vou me ater, nesse momento nessa questão. Minha reflexão está muito mais voltada na tentativa de entender o porquê dessa paranoia que leva muitas pessoas a buscar, a qualquer preço, uma condição física idealizada, tornando-se escravas dessa cultura industrial que fomenta a estética da perfeição. E tudo seria até normal, não fossem as inúmeras barbáries cometidas em nome dessa profana adoração. Quem é lindo e jovem sofre porque sabe que um dia deixará de ser e inevitavelmente será substituído por outro, já quem não obteve da mãe natureza a mesma generosidade no quesito beleza ou mesmo já não é tão jovem, sente-se injustiçado por sua “triste” condição humana. Inseridos, desse modo, numa sociedade na qual o processo de envelhecimento é rejeitado, muitas pessoas atiram-se na vala comum quando decidem adotar um estilo jovial de viver, mesmo que isso represente sofrimento e abnegação, ao submeterem-se a tratamentos estéticos torturantes e dietas malucas, que mais provocam malefícios do que efetivamente bem estar físico e emocional. Contudo é bom lembrar que todos caminham para o mesmo destino: a finitude inerente a todo mortal. Então por que não adotar uma atitude mais leve no modo de viver, sem que haja, com isso, tantas cobranças ou julgamentos, onde cada um seja livre para fazer suas próprias escolhas e o respeito comece pelo nosso corpo, tão complexo e sagrado, que jamais deveria ser profanado ou somente cobiçado, mas ser dignamente referenciado como portador de uma alma, sendo desnecessário que haja sobre o corpo qualquer comentário conspurcado.