segunda-feira, 11 de fevereiro de 2013

Carnaval ou bacanal


 
A
 palavra "carnaval" está relacionada à ideia de deleite dos prazeres da carne, arcado pela expressão "carnis valles", sendo que "carnis" em latim significa carne e "valles" significa prazeres. E nesse caso, especificamente, precisamos concordar: a tradução é literalmente fidedigna à atual fase da festa brasileira, salvo algumas exceções. Em seu segundo livro de poesias, publicado em 1919, cujo título era Carnaval, Manuel Bandeira escreveu um poema bastante sugestivo chamado Bacanal, nele o poeta já sintetizava de forma explícita o “espírito” carnavalesco daqueles tempos: Quero beber! Cantar asneiras. No esto brutal das bebedeiras. Que e tudo emborca e faz em caco… Evoé Baco!... (continua)”. No entanto, mal sabia ele que outros carnavais, ainda mais “bacanais”, estavam por vir, e o seu prenúncio nunca fizera tanto sentido como agora, cem anos depois, onde os homens se acabam de tanto beber e as mulheres desfilam nuas pelas avenidas dos inúmeros sambódromos espalhados pelos grandes centros do país, formando dessa forma um dueto perfeito, onde a ordem dita que ninguém é de ninguém, e, ao som do tanto faz, o relevante é trocar saliva com o maior número possível de pessoas, enquanto durar a festa. Assim tudo fica resumido a seguinte premissa: no carnaval tudo é permitido e todos os brasileiros são coniventes com esse tipo de divertimento. Mentira.
Nós só precisamos mostrar arte e raça... o mais é resto
     Por isso fica impossível, nos dias atuais, pensar em carnaval sem relacionar a festa à nudez explícita e vulgarizada das muitas mulheres que desfilam nas escolas de samba, nos blocos carnavalescos de rua ou em cima de trios elétricos e aos numerosos litros de cerveja que são consumidos diariamente, durante a grandiosa celebração. É algo assombroso, para não dizer vergonhoso. O bom senso nesse caso passa longe, quando mulheres se expõem, de maneira acintosa, como criaturas atléticas e libidinosas, deixando a impressão de que estamos na era cibernética do sexo, cujas imagens de fêmeas musculosas representam o universo feminino “robotizado” de forma puramente comercial e artificial. Inseridas nesse contexto superficial desfilam bundas e peitos camuflados pela ordem carnavalesca: o poder financeiro, que nesse caso determina o valor do investimento “corpóreo”. Assim temos a ideia de que tudo pode ser negociado, até a compra de um “corpo perfeito” para incitar a pluralidade do desejo masculino. E nesse caso, obviamente, conquista mais quem pode pagar pelos incontáveis tratamentos estéticos, como fez a compulsiva por cirurgias plásticas, Ângela Bismarchi, que segundo dizem sempre compra o posto, assim como outras famosas, de rainha de bateria de várias escolas de samba. Ao que tudo indica, então, samba no pé, carisma e sedução pelos neurônios, está fora de cogitação. A priori fica estabelecido que o carnaval tornou-se um divertimento vazio, cuja imagem, para aqueles que estão de fora, é a da propagação da prostituição e do turismo sexual - impulsionado pelo aumento da chegada de turistas estrangeiros no país e pelo apelo dissoluto da festa. Mas essa leitura do que parece ser uma regra traz mais mazelas do que benefícios aos brasileiros, passando a ideia de que todos compactuam com esse comportamento explícito de vulgaridade, cuja propagação da prostituição, das brigas e do aumento considerável do consumo de bebidas alcoólicas se perpetua em nome da cultura da Nação. Prato cheio para um bacanal. E aqui essa loucura pode ser explicada por Friedrich Nietzsche quando diz que a “Insanidade em indivíduos é algo raro - mas em grupos, festas, nações e épocas, ela é uma regra.”

A proliferação dos mijões deixa o passeio público intransitável
Foliões contribuem para a degradação ambiental. Até quando?
      Esse carnaval de fachada, aclamado e “vendido” no exterior, entretanto, é puro marketing financeiro, para atrair dinheiro de fora. Recursos esses que não são usados apropriadamente para eliminar o rastro de sujeira e depredação deixado pelos foliões, após o fim do feriado festivo. São milhares de produtos, latinhas e garrafas plásticas, principalmente, descartados em locais inapropriados – entupindo bueiros e poluindo os rios, lagos e o fundo do mar -, gerando uma degradação ambiental, fato que caracteriza a festividade como desgraçadamente insustentável. Ponto para o bacanal. Outro fator preponderante é a exalação do mau cheiro que fica impregnado nas vias públicas por causa da combinação de um grande número de pessoas nas ruas e o elevado consumo de bebidas, o que faz alavancar o crescimento exponencial dos “mijões de canto”. Tudo isso somado ao aumento de temperatura causa repúdio naqueles que precisam transitar pela localidade, e onde, mais tarde, são necessários milhares de litros de água para recuperação da limpeza urbana.

O carnaval é uma arte popular, e dispensa apelações
     E você que adora carnaval deve estar se perguntando: ela está sugerindo o fim do carnaval? Não se trata disso. Na verdade eu acredito que está mais que na hora de toda a sociedade e os órgãos competentes se mobilizarem com a finalidade de repensarem uma forma sustentável e digna de recuperação dessa festa popular. Sem os exageros pontuais, hoje cometidos. Se haverá desfiles de mulheres despidas, que seja em ambientes apropriados, e não em vias públicas. Se as pessoas querem beber até cair, problema delas, mas daí a sujar toda a cidade é outra coisa, se decidirem transar, que seja em locais adequados, se precisarem urinar, que o façam de forma civilizada. Aqui não está em discussão a abolição da festa. O que se espera é que o carnaval tome um rumo mais sustentável, com o resgate de certos padrões de comportamento, onde as mulheres não sejam expostas como mercadorias ou quimeras devoradoras de homens. O que se deseja é que uma bandeira de civilidade seja hasteada em prol dessa tão importante festa popular brasileira, que deveria ter como único objetivo a propagação da alegria, permeada pela responsabilidade social, cultural e ambiental. Não podemos continuar compactuando com essa forma promíscua e irresponsável de divulgação do carnaval brasileiro. Não é uma questão de preconceito ou algum tipo de moralismo religioso, mas buscar o bom senso, quiçá o bom gosto, que se perde na exposição apelativa e desnecessária de certas figuras esdrúxulas. Uma forma honrosa de resgatarmos nosso orgulho de cidadãos brasileiros. O Brasil não é só carnaval, futebol e mulher pelada! Nosso país é imenso e lindo, e, dividido por regiões, possui em cada uma delas características particulares, sendo, ainda, detentor da mais linda floresta do mundo. Mesmo que haja disparidades sociais, somos uma Nação permeada pela alegria e solidariedade. Talvez porque sejamos ainda muito jovens em relação ao velho mundo, e não tenhamos atingido a maturidade necessária para um crescimento efetivo, nos falta um pouco de juízo. Mas estamos caminhando rumo à fase adulta, e com esse solo gentil certamente chegaremos à terceira idade dignamente, depois de ter aprendido que nenhum país alcança exponencial respeito exportando conceitos abstratos de divertimento: carnaval, futebol e prostituição. Brasil mostra a tua cara!
A beleza está no gingado, no amor à escola e na fantasia...

* Como o caro leitor pode observar: procurei retratar nessa postagem o melhor do carnaval brasileiro: os desfiles primorosos de algumas escolas de samba, embora não pudesse deixar de colocar a foto dos mijões ou mesmo a imagem que representa um bacanal, na sua origem. As imagens que retratam  o lado obscuro dessa festa popular podem ser encontradas aos milhares na internet, infelizmente... Por isso decidi não fomentar ainda mais essa "vergonha nacional"...